TV Digital móvel e portátil

Por Prof. Dr. Fujio Yamada, do laboratório de Rádio e TV da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Introdução
O interesse do público telespectador pela radiodifusão de vídeo móvel é uma realidade, estimando-se que possa atingir 25% da população em curto período de tempo. É uma mudança no hábito da população, na forma de receber a informação e representa uma tremenda oportunidade de negócio ao produtor de conteúdo, ao segmento de propaganda e até ao fabricante de aparelhos. Esse serviço poderá emergir como uma das mais importantes aplicações nas telecomunicações. A recente tecnologia permite a produção de receptores de baixo consumo de energia, com imagem de alta qualidade e a baixo custo, atraindo maior número de interessados pelo produto.

Chips de circuitos cada vez mais sofisticados com alta capacidade de processamento aliado ao desenvolvimento de técnicas que permitem recepção de sinais de TV, mesmo em situação de deslocamento, tornaram viável a manufatura de receptores portáteis (handheld) que está se tornando popular também no Brasil.

Os portáteis, com tamanho ideal de 10 x 15 cm e uma taxa de transmissão da ordem de 300 kbps, apresentam uma excelente qualidade de imagem e são bastante cômodos para manuseio e visualização.

Hoje existem várias tecnologias aptas a esse tipo de serviço, entre elas o ISDB-T (japonês), o próprio Sistema Brasileiro de TV Digital (ISDB-TB, originado do anterior), o DVB-H (europeu), o Media FLO (americano), o T-DMB (coreano) e vários produtos de aparelho celular que permitem a recepção de TV Digital, sendo que somente os dois primeiros provêem serviço para televisão aberta. Uma característica comum entre todos eles, exceto o de telefonia celular, é o uso da codificação H.264, da modulação OFDM e da codificação convolucional.

A recepção de TV em mobilidade é bastante crítica devido à presença do efeito Doppler e do intenso multipercurso, e também porque a antena do receptor nunca está em visibilidade da antena do transmissor, exigindo que o sistema de transmissão e recepção tenha grande robustez a estes efeitos. Todos esses sistemas foram concebidos para poder operar em rede SFN (transmissão em freqüência única) a fim de facilitar a recepção em mobilidade.

Este artigo descreve sucintamente cada um dos sistemas acima e mostra uma comparação das suas principais características.

Sistema ISDB-T e ISDB-TB
O ISDB-T e ISDB-TBadotam o princípio de modulação Band Segmented Transmission Orthogonal Frequency Division Multiplex (BST-OFDM), que consiste na divisão do canal de TV em 13 segmentos de 428,58 kHz, possibilitando a formação de até três distintas camadas hierárquicas. Cada camada pode transmitir um programa de vídeo e som com diferente nível de robustez, conforme a necessidade de serviço. Esta formatação permite que o serviço sujeito ao maior nível de interferências possa ser configurado com parâmetros que asseguram maior robustez contra elementos causadores de degradação do sinal na propagação, tais como o multipercurso, ruído impulsivo, efeito Doppler ou fading.

O reconhecimento pelo receptor de qual programa de dentro do canal deve ser decodificado é propiciado pelo sinal Transmission Multiplexing Configuration Control (TMCC), enviado com o sinal transmitido.

A modulação OFDM utiliza em vez de uma, centenas de portadoras em cada segmento – cada portadora transporta um símbolo de poucos bits. Desta forma, se uma portadora sofrer interferência, a transmissão sofrerá a perda de poucos dados, facilitando a recuperação da informação pelos corretores de erros do sistema.

O sistema ISDB-TB possibilita que, com apenas um segmento, seja formada uma camada para a transmissão de sinais para receptores portáteis. Devido ao emprego do codificador H.264/ AVC e a pequena dimensão da tela, a formação de uma boa imagem em receptores portáteis do tipo celular pode ser conseguida com uma taxa da ordem de 350 kbps. Os vários algoritmos corretores de erros disponíveis no sistema associado à configuração de modulação robusta, como o QPSK (Quaternary Phase Shift Keying), garante uma boa recepção mesmo em condições agressivas de propagação de sinal. Este tipo de dispositivo consegue receber boa imagem mesmo com relação sinal/ruído de 3 dB e uma intensidade de campo da ordem de 45 dBµV/m. A transmissão provida pelo sistema ISDBTB para dispositivos portáteis é um serviço aberto disponibilizado pelos radiodifusores, dentro do seu canal de transmissão, sem custo adicional destinado ao telespectador. Provavelmente o tipo de conteúdo a ser oferecido será uma programação mais específica para o usuário em deslocamento, como noticiário, esportes, informação de trânsito, programação de entretenimento e compras.

Estrutura do sistema ISDB-TB
Aos programas A, B e C são aplicados individualmente os codificadores H.264/ AVC HP@L4 para o serviço de vídeo fixo, H.264/AVC [email protected] para vídeo móvel, H.264/AAC@L4 para áudio fixo, e H.264/ AAC@L3 para áudio móvel. Na entrada do sistema estes programas são submetidos à remultiplexação a fim de formar um feixe único ao qual é aplicado o processo de codificação e modulação. A figura 1 mostra, de forma resumida, esse processo.

A codificação de canal consiste na introdução de alguns algoritmos no circuito de transmissão para facilitar ao receptor o reconhecimento e a correção dos erros inseridos pelo canal de transmissão, sendo formada pelo codificador RS (Reed Solomon) e o codificador convolucional.

A modulação consiste no processo de organizar os dados a serem transmitidos e pode ser configurada para QPSK, com 2 bits por símbolo, 16QAM (Quadrature Amplitude Modulation), com 4 bits, ou 64QAM, com 6 bits e mapeada em “I” (in phase) e “Q” (quadriphase) para formar as constelações do processo de modulação.

Na modulação OFDM (Orthogonal Frequency Division Multiplex) as portadoras adjacentes são ortogonais entre si, isto é, elas estão afastadas uma da outra de um valor tal que o pico de uma portadora coincide com o nulo da portadora adjacente. Existem 3 tipos de espaçamento entre as portadoras: modo 1, com 108 portadoras; modo 2, com 216 portadoras; e modo 3, com 432 portadoras. O tempo útil de cada símbolo também depende do modo (veja Quadro 1). A seguir, o conjunto é submetido ao IFFT (Inverse Fast Fourier Transformer) gerando o sinal de saída, na freqüência de FI de 44 MHz.

A introdução do intervalo de guarda – o espaço de tempo vazio entre os símbolos – dá ao sistema uma proteção natural contra interferências por multipercurso. Na realidade este espaço é preenchido com uma cópia da parte final do símbolo, operação denominada “extensão cíclica do símbolo OFDM”, provendo imunidade ao efeito Doppler e evitando a perda de sincronismo. Além disso, existem os recursos de time interleaving e frequency interleaving, que proporcionam uma rebustez adicional ao efeito de fading.

Finalmente a transmissão do sinal é organizada em quadros, consistindo de 204 símbolos OFDM, com duração de TS que varia conforme a configuração selecionada.

O quadro 1 mostra alguns dos parametros do ISDB-T/ ISDB-TB.

Versão ISDB-TB portátil
O sistema ISDB-TB permite a transmissão para receptores portáteis usando somente um segmento do espectro de freqüências dentro dos 13 existentes e pode ser submetido a entrelaçamento de freqüência sem o envolvimento das demais porções do espectro de radiodifusão. Esse tipo de configuração permite prover um serviço para o receptor portátil (one seg) sempre ocupando o segmento central de número “0” (figura 2). A transmissão para receptor portátil por este segmento, com configuração adequada, permite uma recepção de boa qualidade devido à robustez dos parâmetros de codificação com uma taxa de 350 kbps. Os demais segmentos podem ser agrupados para formar as outras camadas para transmissão em HD (High Definition) ou SD (Standard Definition).

Existe uma versão em que cada um dos segmentos pode transmitir sinais one seg, num total de 13 canais para receptores portáteis, provendo um serviço multicast.

QPSK é a modulação recomendada para recepção portátil, embora possam ser usadas outras opções. Ex periências desenvolvidas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie demonstram que é possível a recepção em um segmento com a qualidade de sinal C/N de 3 dB e nível de sinal de -80 dBm (intensidade de campo da ordem de 42 dBµV/m).

Sistema móvel portátil DVB-H
O sistema DVB-H foi desenvolvido como complemento do DVB-T para prover o serviço móvel portátil de televisão digital. Ao DVB-T foram adicionados o time slicing e o corretor de erro complementar MPE-FEC (Multi Protocol Encapsulation Forward Error Corrector), a fim de prover uma recepção mais robusta para recepção móvel.

O MPE-FEC para dados multiprotocolo encapsulados proporciona uma melhora no desempenho da relação C/N e um aumento da robustez contra o efeito Doppler, e melhora a tolerância ao ruído impulsivo.

O time slicing consiste em manter o circuito frontend conectado somente durante o período de tempo necessário para receber o pacote de dados enviados em rajada do segmento de interesse e desconectar durante o resto do tempo (figura 3). Isso reduz em cerca de 90% o consumo de energia do receptor e também provê um suave handover de freqüência quando o usuário sai de uma área de serviço para entrar em outra célula, já que este sistema funciona usualmente em rede SFN.

O time slicing e o MPE-FEC só são implementados na camada física do DVB-H. Isso significa que os receptores DVB-T não recebem sinais DVB-H, enquanto que o DVB-H é retro compatível com o DVB-T. Os codificadores de vídeo e áudio empregados no DVB-H são o H.264/ AVC e H.264/AAC, respectivamente.

A camada física do DVB-H possui quatro modificações em relação ao DVB-T:
a) Aos bits do TPS (Transport Parameters Signaling) foram adicionados os bits para indicar a presença do serviço DVB-H e a presença ou não do MPE-FEC, já que este parâmetro é opcional.
b) Foi adicionado o modo 4k às portadoras OFDM, permitindo um melhor desempenho durante a mobilidade e na operação em SFN.
c) Para os modos 2k e 4k pode-se selecionar a opção intrainterleaver, para entrelaçar os bits sobre dois ou quatro símbolos OFDM, respectivamente, provendo melhor tolerância ao ruído impulsivo e também melhor robustez em ambiente móvel.
d) Foi criado o canal de 5 MHz de largura no DVB-H para possibilitar o seu uso no canal não-broadcasting, em que há redes de 1,7 GHz com 5 MHz de banda.

A Figura 4 mostra, de modo simplifi- cado, o conceito do receptor DVB-H. Nela se inclui um receptor DVB-H com demodulador DVB-T, um módulo time slicing, um módulo MPE-FEC opcional e um terminal DVB-H.

Somente o serviço desejado é decodificado pelo circuito, que é controlado pelo time slicing. Ele despreza os bits de outros serviços transmitidos que não são de interesse daquele receptor. A ação de handover ocorre no instante em que não está sendo demodulado o sinal de interesse.

O quadro 2 mostra os principais parâmetros da camada física do DVB-H. Nela são citados os parâmetros básicos no domínio da freqüência para banda de 6 MHz, a banda compatível com a legislação brasileira. O número de portadoras ativas é menor que o diretamente proposto pelo tamanho da FFT porque o sistema DVB-H possui algum intervalo de guarda com portadoras de amplitude zero.

T-DMB – Digital Multimedia Broadcasting
O sistema T-DMB é uma extensão do sistema de rádio digital DAB (Digital Audio Broadcasting), ao qual foram inseridos aprimoramentos, como a codificação de vídeo e eficientes corretores de erros proporcionando uma recepção de TV de alta qualidade, mesmo em movimento.

Usando canais de freqüência com largura de banda de 1.536 MHz, suporta vários modos de transmissão que se adaptam às diferentes condições de propagação.O sistema DMB pode operar em amplo espectro de freqüências desde 30 MHz até 3 GHz. Como conseqüência, a transmissão do DMB é utilizada também na comunicação via satélite (S-DMB).

O sistema T-DMB consegue a radiodifusão digital de TV usando eficiente codi- ficação de vídeo, áudio e dados, e aplicando sofisticados corretores de erro. Mesmo com um canal limitado a 1,5 MHz e com o uso do H.264/AVC para vídeo e H.264/AAC para áudio consegue imagem e som de alta qualidade. Por ser dispositivo portátil, possui um circuito de baixo consumo de energia.

O vídeo pode ser codificado usando diferentes resoluções, entre elas: 352 X 288 pixels, 176 X 144 pixels, 320 x 240 pixels e 384 x 224 pixels à taxa de 30 quadros/ segundo. A combinação de DMB com redes celulares móveis facilita a oferta de recursos de TV interativa, em que o espectador faz escolhas de programação.

A codificação de canal é o processo que envolve a inserção de redundância no fluxo de dados, resultando em uma redução do tamanho do arquivo, porém, cria códigos mais robustos, tornando a transmissão mais segura e melhorando a qualidade global do serviço.

Os dados são submetidos à codificação convolucional e mapeados sobre as subportadoras no processo de modulação OFDM. O sistema usa o time interleaving para embaralhar o fluxo de bits a fim de preveni-lo contra efeitos do ruído impulsivo. O DMB especifica quatro modos de operação. Contudo, aqui são apresentados os parâmetros do modo 2 operando na faixa de 1,5 GHz, com os seguintes valores para cada canal de vídeo: 384 portadoras, espaçamento de 4kHz entre portadoras, 250 ms de duração do símbolo, intervalo de guarda de 62 ms, modulação DQPSK e 40 quadros por segundo.

Sistema Media-FLO – Follow Link Only
O sistema Media-Flo foi projetado para transmitir uma taxa de bits de até 6 Mbps na banda de 6 MHz e uma taxa variável de 200 a 250 Kbps por canal, com o uso da técnica de multiplexação estatística, sendo, portanto, possível a transmissão de aproximadamente 20 canais Media-Flo em tempo real.

Para obter um bom desempenho de recepção no ambiente de comunicação móvel, a camada física do sistema Media-Flo emprega modulação OFDM com técnicas de correção de erro Turbo Code e Reed Solomon permitindo operação em SFN. O receptor Media-Flo demodula o sinal completo proveniente dos múltiplos transmissores que o circundam, garantindo uma transição suave de um transmissor para outro quando o receptor se movimenta dentro da rede SFN.

Na modulação OFDM empregada no sistema Media-Flo, a banda efetiva do canal de 5,55 MHz é dividida em 4096 subportadoras com separação, entre si, de 1,35498 kHz, modulado em QPSK ou 16QAM.

Para minimizar os efeitos do multipercurso é usado o intervalo de guarda de 92,25 ms, o que dá uma distância máxima de 27 km entre transmissores SFN.

Comparação entre as tecnologias de sistema TV móvel
Os dados comparativos mostrados no quadro 4 são valores médios, estimados a partir de informações obtidas das publicações dos detentores de tecnologia. Nele são ilustrados somente os parâmetros comparáveis entre si, não retratando necessariamente todas as características que podem diferenciar um sistema do outro.

Referências:
ABNT NBR 15601 –Televisão Digital Terrestre –Sistema de Transmissão, Dez 2007.
ARIB STD B31- 1.6-E1 Transmission System for Digital Terrestrial Television Broadcasting – 2007. F. Yamada, G. Bedicks, Sistema de TV Digital, Revista Mackenzie de Engenharia e Computação, ano 5, Nº 5, São Paulo 2005. G, Faria, J. Henriksson, E. Stare, P. Tamola, DVB-H, Digital Broadcast Services to Handheld Devices, Proceeding of the IEEE, Vol 94, number 1, Jan 2006.
ETSI TR 102 377 V1.1 Jan 2005- DVB Project , DVB-H implementation Guideline. Kent Walker et all, The FLO Physical Layer and Optimized Multicast Solution for Terrestrial Mobile Multmedia, www.qualcomm. com – 2006.
Revista da SET – ed. 104

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