TV Escola aposta em conteúdos transmídia e distribuição integrada

Nº 143 – Julho 2014

Por Rafael Carneiro*

ARTIGO

Este seria apenas mais um artigo sobre ações de TV Everywhere e conteúdo transmidiático caso não viesse de uma organização pública. Em 2011 o Ministério da Educação, por meio do canal TV Escola, iniciou um plano ousado voltado aos conteúdos digitais. Está ação se dividia em dois temas principais: produção de conteúdos interativos; e distribuição integrada de conteúdos multimídia.

Iprimeiro tema já vinha sendo tocado na TV Escola mesmo antes da revolução digital. Um exemplo é o programa Sala de Professor, que analisa documentários da programação da TV Escola e sugere, do ponto de vista de três professores de áreas distintas, como aquele conteúdo pode ser explorado em sala de aula.

Este modelo foi se adaptando aos modelos digitais e agora está acompanhado de fascículos interativos que contém conteúdos exibidos durante o programa e que também servem para a sala de aula. Foi estipulado então um fluxo de consumo integrando TV, website e sala de aula, onde um professor pode assistir a um documentário sobre a segunda guerra, se aprofundar através dos esclarecimentos e infográficos trabalhados no Sala de Professor e baixar esse conteúdo para ser usado como material de apoio em sala de aula.
Uma nova linha de produções está sendo trabalhada utilizando conceitos de narrativa transmídia, onde a história é contada através de diferentes plataformas, aproveitando as características e benefícios de cada meio. Um exemplo é a série de matemática “Exploradores de Kuont”. Gabi, a personagem principal, comanda um grupo de extraterrestres que chega ao planeta Terra para tentar entender como tudo funciona. Na TV a personagem frequentemente comenta sobre seu diário, onde ela anota coisas interessantes que aprende durante suas explorações. Para a internet foi criado o “Diário de Gabi”, um hotsite que reúne as anotações tratadas na TV e que permite ao aluno se aprofundar ainda mais através de exercícios interativos.
A série “Chico na Ilha dos Jurubebas” também se utiliza da narrativa transmídia para se aprofundar nos temas tratados no audiovisual. Produzido para um público de 5 a 7 anos, a série para alfabetização utiliza personagens animados, músicas e aventuras inesperadas para cativar a atenção das crianças. No meio da narrativa são apresentadas questões didáticas que são trabalhadas entre os personagens. Para a internet foram criados jogos que tratam estes mesmos temas e permite que as crianças exercitem os conceitos apresentados enquanto brincam.

Uma das funções previstas no Ambiente Integrador é a “Cortar Trecho do Vídeo”, onde o educador pode seleccionar um trecho específico de um vídeo e salvar em uma playlist para exibir aos alunos, agilizando assim a dinámica na sala de aula

A TV Escola precisava de uma solução de distribuição digital para vídeos, jogos, PDFs, Revista on-line, fascículos interativos (HTML5) e conteúdos em geral. A internet foi vista como um meio funcional para distribuir estes conteúdos multiplataforma de maneira integrada, buscando presença no cotidiano do brasileiro. Três necessidades primordiais deveriam ser atendidas: banco de dados único que possa ser facilmente compartilhado com os principais dispositivos e plataformas; reunir e conectar vídeos com conteúdos relacionados; e poder ser administrada por uma equipe reduzida.
A solução foi criar um Ambiente Integrador de conteúdos. Um sistema que aproveita o fluxo de produção digital já existente para a veiculação linear ao armazenar metadados e vídeos já nos formatos mais adequados para as interfaces de distribuição sob demanda.
Para cada vídeo enviado ao ambiente é criado um cadastro, onde são adicionados informações e conteúdos complementares como imagens, PDFs e URLs.
Tablets, Desktops, Smartphones e Smart TVs podem solicitar os conteúdos diretamente ao Ambiente Integrador. O banco de dados unificado também facilita o processo de envio dos programas para plataformas de vídeos sob demanda não administrados pela TV Escola, como é o exemplo dos serviços de operadoras de TV por assinatura.
O ambiente também concentra a grade de programação, gerenciamento de destaques semanais, cadastro de usuários, playlists especiais e outros serviços. A centralização desses dados e serviços possibilita também a criação de ferramentas métricas e relatórios que permitem ao administrador obter um panorama geral do consumo dos conteúdos digitais da TV Escola como um todo, não importando a plataforma onde esse conteúdo foi visualizado.

Ambiente Integrador de Conteúdos
Atender múltiplos dispositivos, múltiplas plataformas. Isso não é uma questão de escolha, em maior ou menor grau, seja qual for a estratégia de negócio, é um caminho sem volta. Mas em um ecossistema já caracterizado por múltiplos padrões e diferentes tecnologias, como se adequar a este cenário? Mais equipamentos? Aumentar equipe? E meu legado? Os investimentos valem a pena? Quais os ganhos reais? Que momento encarar este cenário?
A solução adotada pela TV Escola pode não ser aplicável a todos os cenários, mas foi a que conseguiu responder melhor às questões anteriores dentro do contexto e objetivos da instituição. Esperamos, no entanto, que o trabalho da iniciativa ajude outros a responder partes destas perguntas.

Dando os primeiros passos
Atender aos novos cenários fazendo uso de todo o legado, sem gerar novos custos operacionais, ao mesmo tempo otimizando os esforços envolvidos. Para lidar com este desafio, o primeiro passo foi mapear os fluxos de trabalho e sistemas existentes. O objetivo foi procurar pontos de integração e automação. Tentar aproveitar ao máximo o legado e os esforços operacionais já existentes.
Não, isso não é fácil. Também não estamos dizendo que isso é possível de ser feito de forma integral, pelo menos dentro de um curto intervalo de tempo. O que foi feito, foi mapear e analisar os processos e ferramentas chaves de interesse.
A solução final foi o desenvolvimento de um sistema que se integrou a três fluxos de conteúdos e informação da instituição, vídeos, grade de programação e produção de materiais pedagógicos.
Uma vez integrado a estes três fluxos, foi criado um conjunto de serviços que disponibilizam estes conteúdos e seus metadados a cada uma das diferentes aplicações. O resultado é um sistema que permite a gestão centralizada de todos os conteúdos e informações que são disponibilizados para os diferentes dispositivos. A mesma equipe que tradicionalmente já fazia a gestão do site da TV Escola agora consegue realizar a gestão de todas as aplicações ao mesmo tempo. E melhor, muitos dos retrabalhos existentes no fluxo diário foram eliminados com a integração dos sistemas. Por exemplo, ao publicar um vídeo no site, não é mais necessário ter que cadastrar novamente os metadados uma vez que eles são copiados do fluxo de radiodifusão.

Como?
A integração com o fluxo interno de produção e radiodifusão (MAM – Media Asset Management) se deu através da criação – dentro dele – de uma rotina de exportação dos vídeos para um local onde um módulo realiza a adequação das mídias para serem disponibilizadas adequadamente nos diferentes canais (Desktops, SmartTVs e dispositivos móveis). Outro módulo obtém os metadados dos conteúdos, armazenando -os dentro da base de dados do Ambiente Integrador.
Com isso qualquer conteúdo que está no MAM pode ser disponibilizado para todas as aplicações de forma automatizada via o Ambiente Integrador.
Na integração com a aplicação responsável pela montagem da grade de programação, o processo se deu através de desenvolvimento de serviços web específicos para este propósito. Com a grade em mãos, o objetivo era que os usuários pudessem não somente ter informações detalhadas dos conteúdo em exibição no canal TV Escola, mas que pudessem também utilizá-la para ter controle sobre o acesso de qualquer conteúdo via acesso sob demanda (VoD). O usuário controlando sua interação com a grade.
Para integrar a gestão dos materiais pedagógicos, foi desenvolvido junto ao Ambiente Integrador um CMS (Content Management System) que conseguisse atender à publicação de todos os materiais produzidos pela TV Escola (artigos, revistas, fichas pedagógica, entre outros materiais). Assim seria possível disponibilizar todo este rico material em qualquer uma das aplicações juntamente aos vídeos, seja de forma relacionada ou isoladamente.
Estes foram os principais trabalhos realizados no processo de desenvolvimento deste sistema. A disponibilização dos conteúdos deste ambiente às aplicações foi facilitado pelo fato de que muitas aplicações estavam em processo de reformulação. Assim elas já foram concebidas buscando os conteúdos do ambiente integrador. A disponibilização dos metadados é realizada através de serviços web do tipo RESTFUL, o que facilita seu acesso. Já a disponibilização dos conteúdos é realizada via CDN (Content Distribution Network), trazendo grande escalabilidade.

Lições aprendidas e desafios
Alguns pontos foram chaves para o sucesso do trabalho realizado:
Envolvimento e comunicação: um projeto deste nível depende de muitas pessoas. É essencial que todos tenham visibilidade do projeto e dos ganhos associados, além de se engajem na sua realização. É chave também uma grande comunicação entre as áreas de negócio e TI; Apoio da alta gestão: este tipo de projeto afeta diversas áreas, impactando sobre a cultura da empresa.
A partir do momento que é criado um fluxo integrado, alguns cuidados que não se tinha previamente são importantes. Desta forma, é necessário um forte apoio das gerências. Por exemplo, um cuidado que não se tinha inicialmente na catalogação do conteúdo do MAM passa a ser crítico pois isso passa a refletir na qualidade das informações que chegam ao usuário final através das aplicações. O conteúdo pode ser bom, mas sem metadados de qualidade, o usuário não vai encontrar o conteúdo; Adequação ao legado: tecnicamente este é um dos maiores desafios, pois depende de se adequar às possibilidades de integração viáveis para cada uma das soluções adotadas na instituição. Isso é muito caso a caso e o grau de integração pode ser prejudicado de acordo com as restrições das aplicações. Apesar de diferentes níveis de integração, foi possível se conectar às duas principais aplicações, ao MAM e ao sistema de montagem do roteiro de programação da TV Escola; Cenário em constante evolução: o projeto foi desafiante dado que ao mesmo tempo que se desenvolvia o ambiente integrador, mudanças ocorriam no dia-adia da instituição, muitas das quais afetavam diretamente o projeto em desenvolvimento. Já pensando nestas mudanças, o que se fez desde o início do projeto foi definir o que seria o objetivo mínimo do sistema e que questões a aplicação deveria estar preparada para responder rapidamente às novas realidades.
Com este cenário em mente, o projeto já foi concebido considerando este contexto. Com isso muitas alterações e novas funcionalidades foram incorporadas sem que isso afetasse o cronograma do projeto.
Os pontos apresentados são somente uma pincelada de questões importantes para a realização do projeto, representando os pilares que o conduziram ao sucesso.

Próximos passos
A solução apresentada, mais que centralizar as informações dos conteúdos e seus metadados, facilitando o fluxo de trabalho para se atingir os diferentes dispositivos e plataformas, também foi concebido para ser um repositório que centraliza informações sobre o consumo dos conteúdos através dos diferentes canais. Ou seja, a solução permite também ter uma visibilidade integrada dos interesses e do que cada usuário está consumindo nos diferentes dispositivos e aplicações.
Como próximos passos está previsto a criação de mecanismos que permitam ter uma visão mais aprofundada dos interesses dos usuários e seu engajamento nos diferentes aplicativos, bem como integrar a solução a outros sistemas do MEC, permitindo oferecer outros conteúdos de forma associada e uma experiência de uso ainda mais ampla aos usuários da TV Escola.
O objetivo é oferecer junto ao vídeo, materiais complementares disponíveis no Portal do Domínio Público, no Banco Internacional de Objetos Educacionais e no Portal do Professor.

Mais informações em: tvesco.la/ProjetoVOD Com Reinaldo Matushima. E-mail: [email protected]

Rafael Carneiro
PHD, estrategista digital, novas mídias. E-mail: