Uma nova visão para a televisão local

NAB 2016 – Parte II

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Por Francisco Machado Filho * em Las Vegas

Desde que o modelo de televisão brasileiro se espelhou no modelo norte-americano, observamos as práticas e tendências daquele mercado para tentar traçar estratégias semelhantes na superação dos desafios que a convergência digital tem imposto à televisão broadcast tanto lá, como aqui. Contudo, há um ponto em que a televisão brasileira pode auxiliar a TV norte-americana a continuar com seu propósito de ser um veículo de prestação de serviço, informativo, de entretenimento e gratuito: a participação maior da programação das redes na programação local. Esta preocupação já impulsiona ações das grandes redes americanas. Durante o SET e TRINTA, o “Fórum de Tecnologia: Além da TV: novos formatos de distribuição”, contou com a participação de Robert Seidel, da cadeia norte-americana CBS, que apresentou algumas estratégias que a rede americana está aplicando voltada para o localismo e para a segmentação da programação aberta. Dentre essas estratégias está o CBS All Access, serviço de streaming do grupo independente da rede e que permite aos usuários assistir episódios completos de praticamente todos os programas da CBS em uma variedade de dispositivos, como Roku, Apple TV, Chromecast e outros. Seidel afirmou que “o segredo do êxito da aplicação [CBS All Access] é que ela funciona em tempo real, atingindo os mais jovens nas TV locais, ofertando conteúdo que, por meio da geolocalização (genlock), permite que a publicidade seja monetizada”, além da cobrança de uma mensalidade de U$ 5,99 dólares/mês. Contudo, as ações voltadas para o localismo não precisam estar vinculadas às possibilidades que a internet oferece. É aí que entra a experiência brasileira.

Uma visão para a Televisão local
Em artigo produzido pela Networked Television (organização sediada em Londres, que produz e distribui programação de rede com o objetivo de potencializar a execução da televisão local), define o modelo ideal de televisão local como aquela liderada, relevante e focada na programação local e que carregue consigo uma programação voltada para uma audiência em larga escala com conteúdos de interesse nacional sobre informação, educação e entretenimento.

Robert Seidel, vice-presidente de Engenharia e Tecnologias Avançadas da CBS responsável pelo CBS All Access

Robert Seidel, vice-presidente de Engenharia e Tecnologias Avançadas da CBS responsável pelo CBS All Access

Para a Networked Television, a televisão local norte-americana tem obtido alguns resultados positivos porque vem conseguindo otimizar os custos de suas produções locais e terceirização de programas, mas esbarra em outros pontos que nós brasileiros conhecemos bem, a diversificação do conteúdo e a mensuração da audiência. A ambos demandam custos significativos e há mercados em que o volume de negócios praticados não permite esses investimentos. Muitas vezes o que ocorre é uma programação produzida de forma barata sem garantias de qualidade no conteúdo que conquistem e mantenham a audiência. Nos Estados Unidos, muitas emissoras locais acabam inserindo, para cobrir buracos nas suas grades de programação, inúmeras reprises, ou pior ainda, programas de televendas que se estendem por um longo período de tempo ocupando quase que períodos inteiros da manhã e/ou tarde das emissoras. Não é de se espantar que nos Estados Unidos, 40% dos jovens prefiram ver conteúdo audiovisual no YouTube do que pela televisão. Na visão da Networked Television há duas possíveis soluções: a primeira seria consolidação das emissoras locais sob um único proprietário (modelo de afiliação com um mix de programação local e regional/nacional, como similar e fortemente presente no modelo brasileiro de televisão), que é a opção mais fácil e viável; e a segunda, bem mais radical, seria ignorar a programação nacional e manter-se “hiperlocal”, o que seria um desafio enorme se manter economicamente viável.
No Brasil, as emissoras locais retransmitem a programação nacional das redes, o que gera críticas por parte de vários segmentos da sociedade, mas que se tratando de um negócio e do alto custo de produção de conteúdo local de qualidade, não pode ser analisado apenas pelo lado político da comunicação. Nitidamente, portanto, a produção de conteúdo é um dos principais gargalos da televisão local nos Estados Unidos e aqui no Brasil também, mas nosso sistema de televisão em rede e a veiculação de programas nacionais pelas afiliadas enfrentam melhor este problema, mantendo a penetração e relevância da TV como principal veículo de comunicação em nosso país.

O localismo no Brasil
Contudo, é facilmente perceptível que o interesse pelos fatos locais tem crescido e está sendo alimentado pelas ferramentas sociais. Portanto a TV brasileira não pode desconsiderar esta demanda, principalmente no jornalismo e nas possibilidades de negócios por meio da publicidade direcionada. Mas como engajar a audiência televisiva na programação da TV local? Esse foi o tema da sessão: How Local Broadcasters Engage and Win in the Digital Age, do Congresso NAB 2016, que discutiu exatamente essas questões e um ponto ficou claro para os presentes: o localismo não pode ser apenas um aparato para se divulgar informações locais. Ele tem que conectar as pessoas.

Sessão “How Local Braodcaters Engage and Win in the Digital Age” na NAB 2016

Sessão “How Local Braodcaters Engage and Win in the Digital Age” na NAB 2016

Hoje, com os diversos aparatos tecnológicos, pessoas conectadas por redes sociais virtuais, velocidade na informação e na transformação, o localismo só faz sentido se conectar as pessoas emocionalmente, seja lutando a favor ou contra uma causa. As pessoas, cada vez mais imersas em seus telefones e em sistemas personalistas, podem se unir como comunidade quando a mídia local entender que este engajamento da audiência não pode ser mais conseguido pelas estratégias de marketing e por pesquisas que viabilizam as estratégias na TV analógica.
O localismo não pode ser entendido como um espaço na programação da rede para as informações e as notícias locais em seus telejornais ou programas de entrevistas. Localismo é a grande oportunidade de negócios para as emissoras de televisão, porque gera milhões em pequenos negócios e, também, porque milhares de pessoas já utilizam ferramentas online e movimentam a economia local. Foursquare, Yelp, Facebook e todos os demais aplicativos de localização influenciam a decisão de compra de milhares de pessoas, baseada na opinião ou na sugestão de outras pessoas.
Esses dados são preciosos para uma emissora local que procure interpretá-los e produzir conteúdo que alcance essas pessoas emocionalmente. Fica evidente como a publicidade televisiva local está distante deste importante novo hábito presente em nossas comunidades. E não basta às agências de publicidade propagar produtos para este nicho. Ele se envolve, apenas, se o emocional for um fator determinante. Uma coisa aparenta estar clara nesta questão: o localismo das emissoras no Brasil deve ser revisto. Não como os Estados Unidos, que devem repensar a distribuição de produtos nacionais na grade de programação. No caso brasileiro, temos que repensar o nosso conteúdo, que muitas vezes é apenas uma repetição dos formatos nacionais. O localismo deve ser entendido como uma peça essencial e estratégica das emissoras locais para continuar lutando de igual para igual com os serviços OTT e o conteúdo streaming. Elas têm muito mais a oferecer, principalmente no jornalismo e na prestação de serviços.

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