TV Aberta: Globo inova em transmissão ao vivo com áudio imersivo e avança para a TV 2.5

Por Fernando Moura e Isaac Toledo, em São Paulo 

Com as mudanças do padrão de TV Digital, as transmissões de futebol da Globo avançaram e colocaram à disposição do telespectador uma nova experiência sonora, com o uso da tecnologia Dolby Atmos que traz uma sensação de imersão e percepção de envolvimento

As transmissões esportivas perderam o público durante a pandemia de COVID-19 em 2020 e, consequentemente perderam parte considerável do som ambiente dos estádios e ginásios, devido à ausência de torcida nas arquibancadas. A Globo inovou e apresentou em setembro dois jogos do Campeonato Brasileiro, nos quais a produção e distribuição para sinal aberto de TV Digital em São Paulo foi realizada com tecnologia Dolby Atmos, que permite acompanhar uma partida com mais sentimento de imersão sonora, ou seja, “mais próximo à experiência natural que temos no cotidiano”, afirma a empresa em comunicado.

O salto tecnológico, que teve seu pontapé inicial no mês que a TV aberta brasileira comemorou os seus primeiros 70 anos de vida, foi dado na quarta-feira, 16 de setembro de 2020, quando a TV Globo fez a primeira transmissão ao vivo com áudio imersivo da TV aberta no Brasil para a região metropolitana de São Paulo. O jogo com a nova experiência foi entre Corinthians x Bahia, pelo Campeonato Brasileiro, na Neo Química Arena, antiga Arena Corinthians, em São Paulo. Segundo a Globo , na prática, o espectador é “transportado” sonoramente para o ambiente do estádio, como se estivesse na arquibancada. Com estádios de portas fechadas ao público, a tecnologia de áudio imersivo valoriza os elementos sonoros do jogo, como o chute na bola, os sons dos jogadores e treinadores, e a emoção da bola batendo na rede do gol. Os estádios também estão reproduzindo o som das torcidas em caixas acústicas, que se reverberam nas arquibancadas. Essa ambiência também está incluída na mixagem do áudio imersivo.

Para sair do papel, o projeto contou com a participação de uma série de equipes da Tecnologia da Globo. Esse time de profissionais afirmou à Revista da SET que o conceito de imersão sonora possibilita, dentro do contexto tridimensional, colocar o espectador “dentro” da cena, com os sons vindo de diferentes direções. Com a utilização de técnicas de mixagem baseadas em camadas é criada uma “cama” que serve como base para que outros elementos (objetos) possam ser adicionados enriquecendo a reprodução do som para o telespectador. Além disso, um conteúdo disponibilizado em formato 5.1.4 ou 5.1.2, pode ser convertido para outras configurações já mais conhecidas através de “downmix”, como 5.1 (surround) ou estéreo. Com essa técnica, pode-se criar uma experiência de maior envolvimento, com a adição de objetos sonoros em camadas compatíveis com o legado. Tudo isso, a partir de uma única mixagem.

A segunda experiência foi ao ar na última quarta-feira, 30 de setembro no jogo entre Corinthians e Atlético-GO, com a narração de Cléber Machado e os comentários, de Casagrande, Caio Ribeiro e Sálvio Spinola. Segundo a empresa, o futebol foi utilizado para estrear o áudio imersivo na TV aberta ao vivo por ser um esporte de grande audiência e regular na grade de programação, além de ter uma característica de captação de áudio muito favorável para a experiência imersiva. Na Globo, eventos esportivos como Copas do Mundo e Jogos Olímpicos sempre foram usados como uma oportunidade para testes de novas tecnologias. São exemplos como o da TV em cores na Copa do México em 1970, o Full HD na Copa de 2002 na Coréia do Sul e Japão, o início da TV Digital no Brasil na Copa da Alemanha de 2006 etc. Por isso, a equipe da Globo credita que esse tenha sido um movimento natural.

Quando a volta das torcidas aos estádios for permitida, a experiência será melhor e até mais real para quem estiver assistindo, completam: “Quando tivermos novamente público nos estádios, passaremos a usar o som da torcida presente, enriquecendo ainda mais a sensação de imersão com as reações em tempo real no espaço tridimensional. Um aspecto que merece ser ressaltado é a qualidade na derivação de versões para outros formatos. Com o aprimoramento dos algoritmos e ferramentas disponíveis, temos conseguido conteúdos ‘downmixados’ muito bons. Como atuamos com multiplataformas, precisamos atender desde sistemas de reprodução com múltiplas caixas de som até os dispositivos móveis, muito usados com fones de ouvido. Na versão binaural, podemos experimentar o áudio imersivo com fone, trazendo a percepção de que os sons estão presentes à nossa volta. Sem dúvida, uma simples e acessível porta de entrada para esse conceito”.

Console de áudio utilizada para a produção da transmissão com áudio imersivo / Foto: Globo

Ginga D, o DTV 

A inovação tecnológica da Globo foi disponibilizada ao público como parte da revisão de normas do padrão de TV digital, que vem acompanhando a evolução da radiodifusão, oferecendo novas funcionalidades e mais interatividade para o público. Neste ano foi aprovado o novo padrão de TV Digital, o perfil D do Ginga, também conhecido como DTV Play, o middleware de interatividade. Segundo o Fórum Sistema Brasileiro TV Digital Terrestre (SBTVD), o DTV Play permitirá que conteúdos da TV aberta e do streaming possam ser combinados no televisor, possibilitando um aumento sensível na qualidade da imagem e do som, além de permitir que novos serviços sejam oferecidos ao telespectador. Nesse marco, a equipe de tecnologia da Globo acredita que a TV 2.5 começará a ser uma realidade no Brasil e será um passo para atingir o próximo nível da evolução: a TV 3.0.

A TV 2.5 tem a característica de adotar novas tecnologias viabilizando a atualização do atual sistema de TV Digital. Desta forma, é possível entregar aos telespectadores novas experiências, antes de evoluirmos para um novo padrão, no caso a TV 3.0. A TV 2.5 já é uma realidade desde a atualização e publicação da Norma que ocorreu em 2020, onde a   grande oportunidade reside no fato de alguns recursos já estarem presentes na casa dos telespectadores, como é o caso da decodificação do sinal em DolbyDigital+, padrão embarcado na grande maioria dos receptores SmarTVs. Esse é um exemplo de um recurso que antes atendia exclusivamente os conteúdos broadband e que agora também estão à serviço da radiodifusão, com a atualização Normativa do SBTVD.

Testes, estudos e avanço tecnológico 

A Globo já pratica internamente testes e demonstrações de mixagem em áudio imersivo desde 2017, assim como pilotos internos de transmissão (Off Air) desde 2018. A empresa não havia realizado a transmissão pelo ar por questões de respeito à Norma vigente. Com a atualização da Norma em 2020, já preparados, alinharam o modelo operacional, adequaram o fluxo interno e configuraram as cadeias DTV para viabilizar as transmissões. “A pandemia trouxe um cenário de estádios fechados, portanto a ideia de levar a imersão sonora do estádio para a casa do telespectador somente reforçou a relevância de transmitirmos essa nova experiência”, explicou a equipe.

Em artigo publicado em agosto de 2017, na edição N 172 da Revista da SET, Rodrigo Meirelles, o então supervisor Executivo de Áudio da Globo, afirmava que o “áudio imersivo: Evolução da experiência sonora, viável e para todos” e que poderia ser levada a “um número maior de espectadores”. Meirelles explicava que “as tecnologias de áudio imersivo também visam levar a tridimensionalidade aos headphones, sem precisar de esforços direcionados a isso. Normalmente, o áudio 3D em fones de ouvido (binaural) é promovido através de uma mixagem dedicada ou até mesmo uma produção e processamento a parte. O que é proposto hoje, todavia, é levar uma experiência binaural baseada na mixagem original, sem um esforço dedicado. É como se pudéssemos optar por ouvir o mesmo conteúdo 3D adaptado para um home theatersoundbar ou fones. Sendo assim, finalmente temos um cenário em que uma evolução da experiência sonora pode ser levada a todas as plataformas e a um número elevado de espectadores”.

Detalhe do switcher de controle / Foto: Globo

A experiência passou por esta ideia. Em comunicado, a Globo afirma que, “para a oferta durante os jogos do Brasileirão, foi feita uma revisão do fluxo que vai desde a produção no estádio, até a transmissão de TV digital, mudanças na mixagem no controle de áudio, revisão de processos no centro exibidor e de novas configurações nos sistemas de transmissão”.

 

O time de Tecnologia da Globo também apontou que nos testes realizados nos últimos 4 anos com áudio imersivo, foi utilizado o conceito da “cama”, nos eixos horizontais (5.1) e objetos, no eixo vertical (.2). A “cama” (bed) foi mantida focada nas ações dentro do campo, como chute da bola e reação dos jogadores e os objetos na parte superior, onde usaram vozes dos treinadores, locução e a torcida (que devido a atual pandemia é simulada no estádio), dando ao telespectador a sensação de estar na arquibancada. Um dos grandes desafios dessa inovação era não gerar impacto nos fluxos operacionais e de transmissão já existentes. É claro que pequenas adaptações foram necessárias, como por exemplo, a adição de caixas no teto para a monitoração. A canalização dos áudios separados dos treinadores e do PA foi feita por canais que estavam livres. Outro procedimento importante está na correta criação de informações de configuração e localização espacial do conteúdo”, explicou a equipe de Tecnologia, e disse que a Globo tem utilizado consoles da STUDER, LAWO e SSL para esse tipo de produção.

Entre as principais diferenças do uso desta nova tecnologia na empresa está o fato de que neste tipo de produção já não se pensa mais em apenas apresentar os eventos, e sim transportar as pessoas para dentro dele. Algumas técnicas de captação e mixagem foram aprimoradas, juntamente com a utilização de processamento de efeitos para uma maior sensação de espacialidade.

Distribuição do sinal 

Uma vez produzido o conteúdo com áudio imersivo, é necessário uma completa revisão e configuração no fluxo de exibição da Globo, incluindo todos os processos envolvidos, visando garantir a integridade de todos os serviços (usuais e os que foram acrescidos). O sinal originado no centro exibidor passa pelas cadeias de codificação de TV Digital, as quais são alteradas e configuradas conforme a revisão da Norma do Sistema Brasileiro de TV Digital. Essa manobra permite criar uma cadeia de codificação do Atmos, que entrega o sinal no formato ASI diretamente no MUX, inserindo o fluxo ‘Dolby Digital + joc/Atmos’ como um novo serviço nas Cadeias de transmissão de TV Digital padrão das emissoras.

Áudio imersivo na TV aberta  

A transmissão com áudio imersivo foi para a região metropolitana de São Paulo. O início das transmissões em São Paulo foi uma oportunidade de colocar no ar o amadurecimento que a Globo já vinha desenvolvendo tanto na mixagem “ao vivo” em áudio imersivo nas partidas de futebol, como em estudos e testes de transmissão internos utilizando a tecnologia Dolby Atmos, além da flexibilidade que o sistema de exibição, em formato IP, que a Globo SP oferece. A tendência é que essa transmissão seja ampliada, uma vez que o modelo deve ser expandido nas demais praças da Globo, e a empresa segue avaliando também a viabilidade para outras entregas, como produções da linha de shows e de dramaturgia.

Para assistir, e desfrutar deste novo recurso, os torcedores da região metropolitana de São Paulo que recebem o sinal digital livre e gratuito na TV aberta precisam ter um televisor, home theater ou soundbar que seja dotado da tecnologia Dolby Atmos. Para habilitar o recurso, o espectador deve selecionar, no menu do televisor, o serviço de áudio correspondente (atualmente 5º serviço).

Balanço da experiência em termos tecnológicos 

Para os times de Tecnologia da Globo, o balanço é positivo. “No que diz respeito a produção, depois de muitos anos pudemos experimentar diversas opções conceituais e de adequação desse tipo de conteúdo aos variados sistemas de reprodução. Aprendemos as demandas específicas de eventos ao vivo e as dificuldades características na pós-produção. Fizemos o Carnaval, Rock in Rio, Futebol e outros produtos com áudio imersivo, sempre com resultados muito bons.  Sonorizamos grandes auditórios, terraços e até aplicações para soluções mobile. Além da possibilidade de trazer uma tridimensionalidade para o som, pudemos aproveitar outras capacidades inerentes desses codecs, como a universalidade na entrega de uma única mixagem. Constatamos que a adição desse formato não ocasionou impacto nas demandas atuais e ainda trouxe uma nova dimensão sonora nas nossas transmissões, agregando uma opção extra para os espectadores com sistemas compatíveis, com TVs dotadas da tecnologia, ou mesmo com home theaters soundbars. A partir de agora, vamos aprofundar em conjunto com as áreas de conteúdo as próximas oportunidades com campanhas específicas para divulgar a tecnologia para a nossa audiência enfatizando os avanços na experiência de consumo, além de estudar a aplicação em outros gêneros de conteúdo. No lado da transmissão, trazemos uma inovação no ar, em linha com o desenvolvimento e avanços proporcionados com a TV 2.5. Formato que permite viabilizar novos serviços, com o uso de tecnologias inovadoras, entregando uma experiência diferenciada para os nossos telespectadores. Temos testado a implantação da tecnologia na etapa de transmissão desde 2018, trazendo o know-how para entregarmos esse novo recurso na TV Aberta. Permitindo com isto, que a tecnologia já consolidada em produções cinematográficas também ganhe espaço na TV aberta”.