Redes de frequência única

Nº 132 – Abril 2013

Por Vanessa Lima, Luiz Eduardo Machado e Felipe Amaral Barcia

ARTIGO
Uma tecnologia capaz de aumentar a eficiência no uso do espectro e a probabilidade de recepção, desde que bem compreendida e implementada

Redes de frequência única já são uma realidade em diversos países da União Europeia e apontam para um futuro promissor na revolução digital da mídia nacional. Abordaremos este complexo tema em 3 etapas, em uma sequência de 3 artigos, sendo este o primeiro da série, que abordará os conceitos básicos envolvidos no planejamento de redes SFN.
O desligamento dos sinais analógicos de televisão no Brasil, inicialmente previsto para 2016 e recentemente alterado para 2018 segundo a Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica (SCE), com testes previstos ainda para este ano. O objetivo deste apagão inicial é simular o desligamento do sinal analógico antes da transição para o sinal digital no país. Sendo assim diversas redes de televisão entram em alerta buscando soluções para o gargalo das faixas de frequência disponíveis e muitas já estão projetando e implementando soluções utilizando SFN (Single Frequency Network).
As SFN têm por objetivo aumentar a eficiência na utilização do espectro de radio frequência, permitindo um número maior de emissoras em comparação à tradicional MFN (Multi Frequency Network) como também um aumento na área de cobertura e redução de falhas na recepção, uma vez que a potência total recebida aumenta nas áreas de sobreposição de sinal, atribuída a uma interação construtiva proposital.
Todavia, para melhor compreendermos o funcionamento de uma Rede SFN é necessário rever alguns conceitos sobre múltiplos percursos e a natureza do canal de propagação.
Como se pode perceber pela imagem (Fig. 3), dada a natureza dispersiva no tempo do canal de propagação, o sinal ao sair da antena se propaga no ar em várias direções e encontrará no caminho diversos obstáculos. Um dado ponto de recepção, eventualmente receberá sinais provenientes de direções diferentes. Cada sinal apresenta um atraso diferente por ter percorrido distâncias diferentes. Este efeito é conhecido como multipercursos. Assim, até o sinal propagado chegar ao receptor final, ele irá sofrer inúmeras reflexões, de tal forma que este acaba recebendo várias versões do mesmo sinal em tempos diferentes. Ocorre, então, na entrada do receptor, uma interferência entre símbolos (ISI-Intersymbol Interference), resultante desses múltiplos percursos que o sinal toma. Quanto maior a taxa de dados, menor o tempo símbolo, e, portanto, maior a sua parcela relativa de tempo que sofrerá a interferência. Lembrando que o aumento da potência apenas irá melhorar a relação sinal-ruído e não a ISI.
A análise deste comportamento do canal é feita através do levantamento de sua Resposta Impulsiva,

também conhecida como delay profile analysis, ghost patern analysis ou multipath partern. O efeito final dos múltiplos percursos é o surgimento de ecos que provocam desvanecimentos (fadings) seletivos na frequência no sinal recebido. A quantidade de ecos que chegam em um receptor é igual à quantidade de obstáculos encontrados pelo sinal. Para lugares com poucos obstáculos, como uma zona rural, por exemplo, o receptor experimentará ecos curtos no tempo. Para zonas urbanas, com inúmeros obstáculos, o receptor terá uma infinidade de ecos do mesmo sinal e longos no tempo. Estes ecos são extremamente danosos para as transmissões de TV Analógica, pois são os responsáveis pelos famosos “fantasmas” na imagem do televisor analógico. Diferentemente das transmissões analógicas, nas transmissões digitais os ecos perdem o posto de vilão e são usados a favor de uma melhor recepção, sendo este conceito a base da operação das redes SFN.
Uma rede SFN nada mais é que uma inserção intencional e controlada de um “múltiplo percurso” dentro da janela de tempo protegida pelo intervalo de guarda. Para o receptor, independe estar dentro de uma rede SFN ou em um ambiente com múltiplos percursos.
O ponto crucial das redes SFN se encontra dentro da área de sobreposição (Fig. 4), pois para que a recepção funcione de forma eficiente, as estações transmissoras devem disponibilizar o mesmo sinal (mesmo BTS), ao mesmo tempo e dentro da janela de tempo determinada pelo intervalo de guarda.
A área de sobreposição é definida como a região do espaço geográfico onde a diferença de potência entre os sinais interferentes de mesma frequência é maior ou igual a -30dB. Sendo assim podemos traçar basicamente três cenários típicos de área de sobreposição(overlapping):
• Ideal: área de sobreposição = 0, sem necessidade de sincronismo. (Fig. 5).
• Real: os transmissores devem trabalhar de forma síncrona, ajustados de forma a garantir o alinhamento do sinal no centro da área de sobreposição. (Fig.6)
• Crítico: os transmissores devem trabalhar de forma síncrona, ajustados de forma a garantir o alinhamento do sinal para a área de maior concentração de receptores. Nas regiões onde o atraso entre os sinais é superior ao Tempo de Guarda, o sinal mais atrasado é considerado ruído interferente. (Fig.7)

A manipulação e ajuste desse tipo de rede ocorrem por meio de basicamente três parâmetros: O modo (número de pontos da transformada discreta de Fourier), o intervalo de guarda e o ajuste de atraso(delay). O modo e o intervalo de guarda (IG) definem qual é a área de intersecção máxima em que uma rede SFN é capaz de funcionar. Se um receptor fica fora desta área coberta pelo intervalo de guarda e continua recebendo sinais dos dois (ou mais) transmissores da rede, o sinal recebido fora da janela de tempo permitida deixará de ser um sinal útil e passará a ser um sinal interferente. Dependendo do nível deste sinal agora interferente, a recepção como um todo poderá ser comprometida.

O ajuste de atraso (ou delay), permite que se mova a área protegida pelo intervalo de guarda, a fim de posicioná-la na região de maior interesse, por exemplo para uma região com maior concentração de telespectadores. Uma situação onde esse ajuste provou-se fundamental foi o caso na região sul do país que, em 2010 (hoje já se encontra desativada) onde dois transmissores (Fig. 10) sincronizados em SFN, transmitiam para uma região de interesse, mas fora do intervalo de guarda. Ajustando o delay de um dos transmissores foi possível um melhor alinhamento dentro do intervalo de guarda do sinal na área habitada desejada, neste caso em particular, deseja-se atender a região de Sapucaia do Sul, que já se encontra fora da região protegida pelo intervalo de guarda. Adicionou-se então um atraso adicional na estação de Porto Alegre a fim de mover a área protegida para o território de Sapucaia do Sul.
O diagrama (Fig. 8)mostra que a sobreposição da área de cobertura de duas estações SFN leva a uma distribuição mais uniforme da potência irradiada, acarretando no aumento da confiabilidade da rede por dois motivos principais: aumento da densidade de potência e maior probabilidade de recepção do sinal.

Redes SFN possuem projeto e implementação bastante complexos em comparação com a tradicional rede MFN. Porém, (Fig. 9), em redes MFN, é necessário trabalhar com transmissores de altíssima potência a fim de cobrir uma grande área, sendo que, assim, nas áreas próximas ao transmissor haja um “desperdício” de potência. Ao se trabalhar com redes SFN para cobrir uma mesma área, utilizam-se mais transmissores com potência individual menor, o que aumenta também a confiabilidade da rede como um todo.
Adicionalmente, o uso da mesma frequência para cobrir áreas próximas resulta em um melhor aproveitamento do espectro do sinal, permitindo um maior crescimento dos canais de TV.

Evidentemente nem todos os impasses em redes SFN são tão simples com este caso de Porto Alegre e região. O emprego em larga escala das SFN exige treinamento avançado aos profissionais e urge de tempo hábil, já indisponível. Seu alto custo exige das emissoras não só grandes investimentos na compra dos equipamentos da rede e softwares de predição de cobertura, bem como preparação do corpo técnico para as instalações e operações da rede. A forma mais rápida de expansão da TV Digital seria a utilização de MFN, visando uma migração gradativa para frequência única no futuro. Os cuidados para dimensionar uma SFN serão tratados em edição posterior, assim como novas considerações a respeito da implantação de diferentes tipos de SFN.


Vanessa Lima, é Gerente Geral de Tecnologia e Desenvolvimento da Hitachi Kokusai Linear e Vice Diretora de Eventos da SET.


Luiz Eduardo V. Machado, é membro do P&SE da Hitachi Kokusai Linear Equipamentos Eletrônicos S/A, engenheiro formado no Instituto Nacional de Telecomunicações – INATEL.


Felipe Amaral S. Barcia, é membro do P&SE da Hitachi Kokusai Linear Equipamentos Eletrônicos S/A e estudante de Engenharia da computação no Instituto Nacional de Telecomunicações – INATEL.