Programação Interativa para TV Digital

TV DIGITAL
A PROGRAMAÇÃO INTERATIVA DEVE SER PENSADA NÃO APENAS SOB ASPECTOS TÉCNICO-OPERACIONAIS E PERSUASIVOS, E OS APLICATIVOS DEVERÃO POSSUIR ELEVADO GRAU DE USABILIDADE E CONVENIÊNCIA, JÁ QUE O RELACIONAMENTO INFLUENCIA A PERCEPÇÃO DE QUALIDADE E A PRÓPRIA MANUTENÇÃO DA GRADE.
Por Lauro Teixeira

Programação Interativa para TV Digital
Com a possibilidade de quebra do fluxo televisual (transmissão sequencial do conteúdo), diferentes tipos de interatividade podem ser explorados pela programação, proporcionando experiências mais relevantes aos objetivos de cada usuário. Seja pelo aproveitamento de conteúdo extra em formato não-linear (ETV), pelo diálogo com a emissora e entre usuários, pelo controle do próprio fluxo televisual (PVRs e VODs) ou mesmo pelo uso de ferramentas que dispõem a grade de programação da emissora (EPGs). Com o controle remoto, o usuário, que já constrói uma recepção fragmentada em diferentes canais (zapping), poderá usufruir a programação de uma mesma emissora de modo individual, alternando entre o “tempo real” com a transmissão e os estados particulares de interação com o conteúdo. Nesse contexto, a interatividade vinculada ao programa ou à programação deve ser pensada não apenas sob aspectos técnico-operacionais e persuasivos para manutenção da audiência, mas também os aplicativos deverão possuir elevado grau de usabilidade e conveniência, uma vez que o relacionamento entre usuário e emissora influencia a percepção de qualidade e a própria manutenção da grade.
Como sabemos, a televisão brasileira está se transformando. As emissoras têm o desafio de adequar as múltiplas possibilidades de produção e distribuição de conteúdo da mais alta tecnologia em televisão digital para um público de cultura heterogênea e de contrastes sociais marcantes. Grande parte deste público, cedo ou tarde, poderá mudar substancialmente o seu modo de consumir televisão, sendo ele mais individual, exigente e participativo. No entanto, o que as pessoas podem esperar de uma emissora de televisão digital, além da alta definição de som e imagem? Quais programas justificarão os investimentos de quem produz e veicula? Sob que aspectos se pode planejar uma grade de programação consistente em um meio que se redefine?
A grade de programação foi concebida em razão da estrutura analógica de radiodifusão frente à tirania do tempo. Afinal, dispõe-se de apenas vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana para produzir, selecionar, organizar toda a informação e entretenimento que possa ser interessante ao maior número possível de pessoas. Mais do que isso. A estrutura seqüencial do conteúdo audiovisual na tevê determina o que Raymond Williams, nos idos dos anos setenta, chamou de “fluxo televisual planejado”. O autor considerou que, por sua tecnologia, não havia na televisão unidades fechadas possíveis de serem analisadas fora do contexto da programação. Nesse conceito, o encadeamento temporal do conteúdo faz com que o emissor inter-relacione linearmente diferentes narrativas audiovisuais (blocos de programa, vinhetas, inserts de áudio, comerciais, chamadas), com o objetivo de compor uma grade fluida, coesa e relevante, entregue a todos os aparelhos ao mesmo tempo, indiscriminadamente.
Atualmente, com o controle remoto na mão, o telespectador pode fragmentar sua recepção ao “pular” de uma programação para outra. No entanto, a simples troca de canal não lhe dá o poder de controlar cada fluxo, sequer o de constituir uma seqüência coerente. O efeito zapping demonstra, contudo, que o telespectador está disposto a interferir no meio em busca de uma experiência mais satisfatória. Nesse aspecto, a televisão digital torna-se interessante, não apenas pela incrível melhora na qualidade de som e imagem, com transmissão fixa, móvel e portátil, mas também por permitir a quebra do fluxo televisual em alguns modos de interatividade. Onde o usuário (que antes era telespectador) intensifica seu relacionamento, expande o conteúdo e retro-alimenta o banco de dados do emissor com informações que serão utilizadas na melhoria da programação como um todo.
Para entendermos como uma grade de programação pode incorporar programas interativos, devemos verificar os aspectos dessa interatividade, bem como avaliar em que medida os aplicativos influenciam subjetivamente a percepção do conteúdo. Na literatura sobre o assunto, encontramos diversas formas de classificar o meio e de compreender a interatividade. Há classificações pelo uso das tecnologias envolvidas na produção, por formatos e gêneros de programação, por tipos de serviço, por níveis de imersão, entre outros. A classificação de televisão interativa mais aceita e simples se resume em três aspectos gerais:
• TV Expandida (Enhanced Television): quando o aplicativo interativo está vinculado a um programa de TV (ex: reality shows, enquetes, chats, merchandising, etc.);
• Serviços Interativos: quando o televisor passa a servir como um terminal de acesso a conteúdos que não possuem vínculos diretos com a programação de TV (ex: TV-mail, TV-banking, previsão do tempo, etc.);
• Infra-estrutura: são interfaces e mapas de navegação que dão acesso ao conteúdo, mas que não são o conteúdo em si (ex: guias de programação, menus, etc.).
O conceito de televisão expandida é o mais comum e serve para designar os programas da grade que necessitem de interação com o usuário, ou que simplesmente oferecem conteúdo extra. A possibilidade de interagir agrega valor aos programas, por fortalecer o vínculo com a audiência, minimizando a dispersão ou a fuga para outro canal. O aplicativo pode permitir que o usuário interaja em tempo real com a programação, ou em fluxo próprio durante um período determinado, inclusive durante o intervalo comercial.
As emissoras podem dispor tanto conteúdo de televisão expandida, quanto de serviços interativos. Ainda que a primeira opção pareça mais conveniente, por manter o usuário na programação, há maneiras de tornar viável economicamente a disponibilidade de serviços sob demanda, dependendo apenas de estratégia e de regulamentação governamental, em alguns casos. Há operadoras de televisão digital por assinatura que oferecem vários serviços interativos em ambientes específicos, nos mesmos moldes dos internacionais conhecidos como Walled Gardens.
A infra-estrutura interativa se refere a toda arquitetura de informação e ao design de interação dos aplicativos de um canal. Trata-se do conjunto de mapas de navegação que apresentam todo o conteúdo interativo disponível em um canal, operador de plataforma, ou mesmo no terminal de acesso. No caso de um canal, é o sistema que geralmente contém um portal com menus que levam ao guia eletrônico de programação, a página de serviços interativos e a outros conteúdos.
Tecnicamente, sob quaisquer dos aspectos, compreendemos que a interação na televisão digital é mediada por aplicativos de computador controlados por um middleware. São esses aplicativos que instituem novas linguagens de uso e, conseqüentemente, novos paradigmas ao meio. Reside aí a principal diferença. Na televisão analógica, o produto audiovisual sai pronto da emissora direto para os aparelhos receptores, que apenas exibem a informação que receberam. Na televisão digital, o sinal que contém áudio, vídeo e aplicativos que permitem interatividade é transmitido em pacotes de dados que serão decodificados na “máquina” do usuário. Em outras palavras, parte do processamento que resultará na formação do conteúdo na tela é transferido para os receptores, permitindo que cada um condicione a recepção de acordo com o tipo de aparelho que possui. Significa que os aparelhos de televisão ligados ao mesmo tempo em um mesmo canal possam exibir coisas diferentes na tela, como câmeras opcionais ou partes diferentes de uma interação. Para entender melhor os tipos de interatividade que um programa pode ter, observe a Figura 1.

Figura 1
Fig. 1 – Diagrama de Interatividade em TV Digital.

O diagrama apresenta três conjuntos de variáveis, necessários de se compreender em projetos de interatividade na televisão digital. O primeiro se refere ao nível de relacionamento entre o aplicativo e o programa que está no ar. Na televisão expandida o aplicativo é vinculado (acoplado) ao vídeo e a interação pode estar ou não sincronizada. Esse vínculo é determinado pelo conteúdo do programa e só faz sentido se a interatividade ocorrer enquanto o programa estiver no ar ou um pouco depois de assistido. Nos aplicativos sincronizados, o conteúdo audiovisual comanda cada etapa da interação em tempo real, enquanto que os aplicativos sem sincronia ficam disponíveis para o usuário interagir ao longo do programa. Já os aplicativos de serviços interativos e de infra-estrutura são independentes, pois não se vinculam a um programa da grade especificamente, mas ao canal como um todo. Neste caso, o usuário pode estar utilizado um aplicativo que no momento não tenha relação nenhuma com o programa que está no ar, como um serviço de e-mail, um game ou o guia eletrônico de programação.
O tipo de interatividade depende ainda da presença ou não de um canal de retorno. A interação que contiver as ações possíveis e respostas pré-estabelecidas não necessita de um canal de retorno, pois tudo que o aplicativo precisa já está na memória do receptor ou será transmitido via broadcast em um momento oportuno. Quando há um canal de retorno (ou canal de interatividade), ele pode ser de conexão permanente ou intermitente. A conexão permanente é normalmente feita por Internet em banda larga e possibilita que a emissora trabalhe em níveis mais avançados de relacionamento direto com seu público. É imprescindível quando o programa interativo depende de participação do público em tempo real, quando houver entrega de conteúdo sob demanda e também em ambientes onde os usuários possam conversar entre si. O canal de retorno intermitente é aquele onde o usuário opera o aplicativo localmente, para depois submeter os dados. É mais econômico, podendo operar por telefone celular, ou por uma breve discagem de dados na linha telefônica.
O tipo de interatividade dependerá ainda da concepção estética do aplicativo. Considera-se que há três possibilidades básicas de se apresentar uma interface na televisão digital. A mais comum é em overlay, onde a interface gráfica é carregada sobre o vídeo em alguma área da tela. A interação em interfaces deste tipo tende a oferecer menor resistência porque é, em geral, percebida como anexa à programação que, apesar de ocupar o segundo plano, continua em seu formato natural. O segundo modo é o oposto, a interface gráfica ocupa toda a tela e redimensiona um ou mais vídeos da programação em sua estrutura. Neste caso, o foco recai sobre a possibilidade de interação em si, uma vez que o aplicativo se apresenta como controlador de todo o conteúdo que está na tela, inclusive dos vídeos. Uma terceira opção é projetar interfaces que cubram toda a tela. Porém, se o aplicativo também bloquear o áudio ou possuir áudio próprio, o usuário perderá o vínculo com a programação durante a interação.
Uma grade de programação que contenha programas interativos pode ser estruturada de modo que o aplicativo de um programa não atrapalhe a exibição do restante da programação. Este pensamento é conveniente em especial, sob a lógica atual de programação televisiva, onde uma possível quebra do fluxo televisual não compromete a estrutura global da grade de programação. No entanto, a televisão interativa tende a exigir novos paradigmas, onde o usuário tenha mais liberdade e convença o próprio emissor a propor conteúdos que promovam a quebra total do fluxo.
Esta nova maneira de assistir televisão exige predisposição e um mínimo de conhecimento operacional por parte do usuário, uma vez que ele se relaciona mais ativamente com o meio, personalizando a recepção. O público de televisão é muito amplo e há desde pessoas que possam se interessar por interatividade complexa, até aqueles que não vão interagir caso os aplicativos não sejam extremamente fáceis de usar e percebidos como tal. Apesar disso, mais importante que os cuidados com a usabilidade e com a estética da interface gráfica, deve ser a relevância do produto como um todo. Ou seja, a conveniência do argumento e o conceito que as pessoas terão dele, a partir da experiência que ele proporciona. Um conteúdo interativo mal planejado, inoportuno ou invasivo pode ser tão devastador quanto uma ofensa ou uma grave “ocorrência” técnica. Porém, cada experiência satisfatória promove o conteúdo e o design de interação do canal, além de fortalecer o elo entre programação e audiência.
As emissoras de televisão no Brasil, logo farão suas apostas sobre os tipos de interatividade que poderão adotar. Na televisão convencional praticamente não existe mais experimentação por tentativa e erro. Foram muitos anos até se estabelecer uma linguagem estética própria do meio, bem como uma rede sólida de estratégia, financiamento e produção de conteúdo envolvendo agências, produtoras, emissoras e redes afiliadas. Para a programação interativa ainda haverá muita pesquisa sobre padrões de produção, modelos de negócios viáveis e análise de riscos. Nesse cenário, tem muito a ganhar a emissora que primeiro estabelecer seus paradigmas de interatividade com o público.

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MÉDOLA, Ana Sílvia L. D, e Lauro H. P. TEIXEIRA. “Televisão Digital Interativa e o desafio da usabilidade para a comunicação.” Anais do XVI Encontro Anual da Compós, UTP Curitiba-PR. 2007.http://www.compos.org.br/data/biblioteca_161.pdf (acesso em 08 de Jun de 2007).
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WILLIAMS, Raymond. Television: technology and cultural form. Londres: Fontana, 1974.

O Autor – Lauro Teixeira é coordenador de Programação, TV TEM – Bauru/SP e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UNESP com a pesquisa “Usabilidade como linguagem de uso em TV digital interativa”
[email protected]

Revista da SET – ANO XXI – N.94 – 2007

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