O ciber-watercooler e a volta a TV com hora marcada

Era Transmídia

Nº 153 – Ago 2015

Por Daiana Sigiliano

Ao assistir os programas e tweetar simultaneamente, os telespectadores estabelecem uma nova maneira de se relacionar com o conteúdo televisivo

atual ecossistema de conectividade em que vivemos marca o fim de uma só mídia. Para atender as necessidades de participação e protagonismo do sujeito multitarefa, o mass media vem se reinventando e aglutinando algumas características das novas plataformas. Na Age of Impatience [1] o watercooler [2] é transportado para o ciberespaço e convida o espectador a integrar o fazer televisão de uma maneira até então inédita; suprindo assim a constante necessidade de imersão do participante. A Social TV marca o encontro do fluxo televisivo com a social media. O fenômeno se refere à utilização das redes sociais de maneira simultânea a grade de programação.
Na cultura da convergência os programas têm que ir além de uma só tela e flutuar por distintas camadas interativas. Ao expandir os comentários da sala de estar, o sujeito continua vivenciando a experiência coletiva da TV, porém de uma forma mais dinâmica e com inúmeros interlocutores. Por isso os canais norte-americanos estão trazendo de volta o appointment television [3] por meio de ações pautadas na economia afetiva. Entretanto, o atual ecossistema de conectividade não alterou apenas os meios de comunicação de massa. A publicidade também teve que se adaptar diante do sujeito multitarefa, hoje é preciso que a marca vá além e crie uma relação de fidelidade emocional com o consumidor.
Para que ele se torne o seu garoto propaganda, e que vista a camisa, não por obrigação, mas porque se sente representado pelo produto.
A 86ª edição do Oscar materializou a nova forma de intercâmbio entre a TV, o marketing e o participante.

Potencializado pelas ações do canal ABC – que ao longo da premiação incentivou os espectadores a comentarem a atração no Twitter e interagir com o aplicativo [4]de segunda tela [5] – o evento gerou 11,1 milhões de tweets, atingindo cerca de 1,043 milhões de usuários da rede social (Nielsen Twitter TV Ratings, 2014). Entretanto, uma postagem se destacou no microblog. Durante a entrega dos Academy Award, Ellen DeGeneres propôs um desafio aos espectadores: atingir a marca do tweet mais compartilhado da história. Para realizar tal feito, a apresentadora usou de uma clássica linguagem das redes sociais: o selfie. Ao lado de Jennifer Lawrence, Meryl Streep, Badley Cooper, Julia Roberts, Kevin Spacey, Jared Leto, Brad Pitt, Angelina Jolie e de Lupina Nyong’o ela fotografou o que se tornaria um marco na história da Social TV. A ação era um product placement da Samsung, mas o nome da marca acabou sendo ofuscado pela proporção que a foto tomou. Em apenas 40 minutos o tweet recebeu mais de um milhão de RT’s, tirando o posto de Barack Obama – com 778.329 mil atingido durante a reeleição do político em 2012.

O post viralizou de uma forma tão rápida que acabou causando um bug no perfil da apresentadora, que ficou impossibilitada de ganhar novos seguidores. Depois de superar a marca de Obama, a mestre de cerimônias agradeceu ao vivo o público e disse que todos eram vencedores por terem atingido o feito. No fim da noite, o tweet já tinha ultrapassado os dois milhões de RT’s, e ganhado inúmeras releituras [6] na web. Segundo dados divulgados pelo Twitter and the Advertising Research Foundation (ARF) a publicação da apresentadora foi visualizada por 32,8 milhões de usuários.
O product placement da Samsung destaca alguns pontos importantes da Social TV. Ao contrário do que se previa o atual cenário de conectividade não representa uma ameaça para a televisão, e sim, uma oportunidade do meio se reestruturar. A relação simbiótica entre a TV e o Twitter faz com que o sujeito compartilhe suas impressões sobre a programação com seus amigos e com outros usuários da rede, potencializando o alcance deste conteúdo. E na maioria das vezes essas postagens exercem uma grande influência entre os internautas.
Segundo uma pesquisa [7] divulgada pelo canal Fox Broadcasting Company (FOX) em parceria com a Twitter and the Advertising Research Foundation (ARF), 92% dos usuários do Twitter já foram influenciados pela plataforma na hora de tomarem uma ação imediata sobre um programa de TV. Ao ver em seu feed seus amigos retuitando o selfie da apresentadora muitos sujeitos acabaram ligando a TV para acompanhar a premiação e integrar a experiência coletiva proporcionada pelo meio.
Sobre a influência dos tweets, 40% entrevistados afirmam que já tomaram uma alguma decisão relacionada ao conteúdo televisivo baseada nas impressões postadas por atores e apresentadores. Ou seja, ao escolher Ellen para realizar a postagem a ABC e a Samsung intensificaram, ainda mais, o alcance da ação.
A televisão traz para o ciberespaço a experiência coletiva. O meio percebe a necessidade de se adequar aos hábitos nos novos espectadores, e diante disso, se apropria de algumas ferramentas do ambiente digital.
Em contrapartida a abrangência geográfica da TV faz com que o Twitter deixe de ser apenas um apêndice para o mass media e se torne uma extensão do conteúdo gerado. Em meio à fragmentação da audiência e as alterações na forma de produção, financiamento e distribuição do conteúdo televisivo, o maior RT da história do microblog partiu de um evento ao vivo, com hora marcada. A ação realizada durante a 86ª edição do Oscar materializa a hibridação das plataformas, fortalece os meios envolvidos e mostra que o watch and tweet [8] já foi incorporado, definitivamente, pelo fazer televisivo na era da convergência.

Notas: Era composta por sujeitos que tem a necessidade de participação e imersão.
Por ter a atenção fragmentada, devido aos inúmeros estímulos da contemporaneidade, o sujeito midiático precisa de gratificação constante.
2 Comentários feitos durante ou depois da programação televisiva.
3 “Assistir em tempo real”, ou popularmente chamado “televisão com hora marcada”.
4 Disponível em: <http://mashable.com/2011/02/18/oscars-backstage-ipad/>. Acesso em: 29 mar 2014.
5 A segunda tela se refere à interação paralela e sincronizada com a experiência televisiva feita através de laptops, smartphones e tablets.
6 Disponível em: http://mashable.com/2014/03/03/ellen-oscar-selfie-parody/#:eyJzIjoidCIsImkiOiJfa3VuenFqMGUwODBkMGNqOSJ9 . Acesso em: 28 mar. 2014.
7 Realizada com 12. 577 mil norte-americanos.
8 Assista e Tweet, slogan utilizado por várias emissoras norte-americanas para engajar o público.

Referências:
ADASHEK, Andrew. Looking back at the 2014 #Oscars on Twitter. Disponível em: https://blog.twitter.com/2014/looking-back-at-the-2014-oscars-on-twitter . Acesso em: 3 mar. 2014.
Fox, Twitter and the advertising research foundation find more than 90% of those who see tv show-related tweets have taken immediate action to watch, search for or share content. Fox Broadcasting Company and Twitter and the Advertising Research Foundation. Disponível em: http://www.foxflash.com/div.php/main/page?aID=1z2z1z25z1z8&ID=16327 Acesso em: 21 mar. 2014.
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. 2. ed. São Paulo: ALEPH, 2008.
JOST, François. Compreender a Televisão. Porto Alegre: Sulina, 2007.
LOTZ, Amanda. The Television Will Be Revolutionized. New York: New York University Press, 2007.
MURRAY, Janet H. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo:Itaú Cultural, 2003.
Nielsen Twitter TV Ratings, Mar 03 2014, Social Guide Intelligence. Disponível em: http://sgi.socialguide.com/twitter_tv_rankings . Acesso em: 4 mar. 2014.
PROULX, Mike; SHEPATIN Stacey. Social TV – How marketers can reach and engage audiences by connecting television to the web,social media, and mobile, New Jersey: John Wiley & Sons Inc, 2012.
ROSE, Frank. Behind the immersiveness trend: Why now?. Disponível em: http://www.deepmediaonline.com/deepmedia/2013/12/behind-the-immersiveness-trend-why-now.html . Acesso em: 20 dez. 2013. TICHI, Cecilia. Electronic hearth: Creating an American television culture. New York: Oxford University Press, 1991.

Daiana Sigiliano é jornalista, especialista em Jornalismo Multiplataforma (UFJF), mestranda em Comunicação na Universidade Federal de Juiz de Fora , pesquisadora do EraTransmídia e membro do Grupo SET de Novas Mídias.

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