Redes de Frequência Única

Uma tecnologia capaz de aumentar a eficiência no uso do espectro e a probabilidade de recepção, desde que bem compreendida e implementada.

Nº 134 – Julho 2013

Por Vanessa Lima, Luiz Eduardo Machado e Felipe Amaral Barcia

ARTIGO SFN parte 2

Com este artigo, damos sequência no detalhamento deste complexo tema que são as Redes de Frequência Única (SFN). Provendo confiabilidade de sinal, as SFN prometem atender a demanda de crescimento das emissoras de TV. Já adotadas em muitos países da Europa a nova tecnologia apresenta grande complexidade de implementação, mas pode ser a única saída ao congestionamento do espectro.
Sendo esta a segunda parte de três edições explicativas sobre as Redes de Frequência Única, vamos relembrar alguns conceitos básicos sobre as SFN. A Figura 1 mostra o diagrama básico de uma célula SFN.
As redes SFN têm como principal característica utilizar a mesma frequência para diferentes transmissores em uma determinada região, e aproveitam-se de uma interferência construtiva e proposital que ocorre na área de intercessão desses transmissores. O mesmo sinal BTS (Broadcast Transport Stream) é sincronizado nas diferentes estações levando-se em conta o tempo de propagação até cada transmissor, de modo que nessas regiões os sinais sejam sobrepostos resultando num ganho estatístico e aditivo. Vale lembrar que, quanto maior a área de intercessão, mais crítico é o dimensionamento da rede. Além da própria potência do transmissor são utilizados os seguintes parâmetros básicos na configuração de uma SFN, são eles:
• Intervalo de Guarda (Guard Interval – GI)
• Ajuste de Atraso (delay)
• Modo (Mode – Number of Discrete Fourier Transform
points
)
O Modo (Mode) e o intervalo de guarda (GI) definem qual é a área máxima de intercessão em que uma rede SFN é capaz de funcionar enquanto o delay permite que se mova a área protegida pelo intervalo de guarda, a fim de posicioná-la na região de maior interesse (região com maior concentração de telespectadores, por exemplo).
As redes SFN são divididas em duas categorias: do tipo Distribuída e ou do tipo Por Repetição.
Nas SFN distribuídas o sinal BTS chega aos diferentes transmissores por meio de um link de distribuição, podendo este ser fibra ótica, satélite, ou micro-ondas.
No caso das SFN por repetição, o sinal BTS chega a uma estação transmissora que o transmite normalmente para o ar. As demais estações irão receber do ar, em UHF, o sinal transmitido por esse TX principal e irão repeti-lo sem realizar o processo de demodulação. Dada a grande popularidade deste tipo de rede SFN e sua aplicação majoritariamente para cobrir área de sombra de cobertura, este tipo de implementação foi batizado de Gap Fillers.
Levando em consideração essa diferenciação de tipos podemos então apontar na Tabela 1 as respectivas vantagens e limitações, afim de melhor entendermos o conceito e sabermos escolher que tipo melhor se adequa a cada situação de campo.
A partir destes conceitos básicos apresentados, podemos detalhar os equipamentos que desempenham funções importantes na montagem de uma rede SFN.

São eles: gerador de BTS, adaptador SFN, redes de distribuição, insersor de atraso, moduladores e sistema de sincronização, conforme mostra a Figura 2. Perceba que, incomum às instalações normais (do tipo MFN), temos o adaptador SFN e o insersor de atraso.
Os encoders e geradores de tabelas/metadados continuam idênticos aos das redes MFN. O multiplexer deverá ser referenciado ao 10 MHz comum (via GPS, por exemplo) para que haja sincronismo entre o BTS gerado e os transmissores que irão recebe-lo.
O adaptador SFN é o elemento novo responsável por inserir no sinal os parâmetros necessários para as diferentes transmissoras serem sincronizadas. Esses parâmetros de sincronização e transmissão são descritos pelo campo NSI (Network Synchronization Information) inseridos ao pacote IIP do sinal original antes do sistema de distribuição. Após o adaptador de SFN ter inserido a marcação de tempo no BTS, o sistema de distribuição a ser utilizado deverá ser totalmente transparente, o que significa que ele não poderá alterar nem a base de tempo, nem o conteúdo e nem a ordem dos pacotes. O sistema de distribuição, seja qual ele for, deverá se comportar tal como um cabo.
O insersor de atraso em cada estação se responsabiliza por atrasar na entrada de cada modulador o sinal recebido, de modo que o sinal irradiado por cada TX estejam alinhados, conforme mostra a Figura 4.
Dentre as redes SFN do tipo distribuída, ainda existem 2 subdivisões: redes distribuídas no modo dinâmico e redes distribuídas no modo estático.

 

Figura 5: Rede SFN em Santa Rita do Sapucaí

O modo de operação mais utilizado (e mais fácil de implementar) é o modo dinâmico, pois o atraso de distribuição é calculado dinamicamente com base nas informações presentes no campo NSI. Para isso todos os insersores de atraso devem receber a mesma referência de 1 PPS. A manutenção da rede é simplificada, pois permite a substituição de qualquer elemento de rede por outro de atraso diferente sem necessidade de realinhamento (desde que o novo elemento não desrespeite o máximo delay da rede). Entretanto, no caso de falha de referencia de PPS em uma estação, a mesma deve detectar a falha e reduzir a potência para não prejudicar a rede. Esse atraso pode ser calculado usando-se as seguintes fórmulas:
LOCAL_DELAY = MAX_DELAY – (PATH_DELAY + PROCESS_ DELAY) [ns] PATH_DELAY = LOCAL_TIME_COUNTER – TIME_STAMP [ns] Onde:
MAX_DELAY: Máximo Atraso da Rede ou Atraso Total;
TIME_STAMP: Marcação do momento de geração do 1º Pacote de um Quadro de Multiplexação de paridade par;
LOCAL_TIME_COUNTER: Contador de 1×106 unidades reiniciado segundo a referência de 1 PPS;
PATH_DELAY: Tempo entre a recepção e geração do 1º Pacote de um Quadro de Multiplexação de paridade par;
PROCESS_DELAY: Tempo de processamento para geração do símbolo OFDM a partir do BTS de entrada;


No modo estático, o valor do atraso de distribuição do BTS original (referência de 1 PPS) não é utilizado. Para substituir este parâmetro usa-se um valor absoluto de atraso e a sinalização de operação estática contidos no campo NSI para cada estação e especificado pelo usuário no Adaptador de Rede (TIME_OFFSET e STATIC_FLAG), sendo necessária apenas a sincronização pela referência de 10 MHz. Esta forma apresenta alta complexidade em razão da necessidade de conhecer todos os atrasos na cadeia de distribuição e caso algum elemento seja substituído, o atraso deve ser recalculado.
Para estudar a viabilidade de uma SFN em uma cidade qualquer, utilizando dois transmissores, por exemplo, precisamos ter em mente a dificuldade em se encontrar um local para a instalação. Então, o primeiro passo é escolher os locais em que se podem instalar os transmissores. Tendo os pontos com melhor infraestrutura e possibilidade de cobertura disponível, é necessário escolher, através de um processo iterativo e com o auxílio de softwares de predição de cobertura, determinar qual a melhor potência e atraso de transmissão, analisando as áreas de sobreposição otimizando o sistema evitando áreas de potências equivalentes e distância temporal elevada.
O ideal é ter, dentro da área de sobreposição, os dois (ou mais) sinais transmitidos alinhados no tempo. Quando isso não é possível, um transmissor passa a interferir no outro se os sinais que chegam ao receptor violam a distância máxima permitida pelo intervalo de guarda. Neste caso, o ideal é reduzir a potência ou alterar o delay de um dos transmissores. Sendo assim, projetar uma SFN é, também, dimensionar a potência de cada estação transmissora de acordo com as distâncias entre elas.
A grande questão é que, normalmente, devido ás dificuldades em se encontrar locais com infraestrutura para abrigar os equipamentos necessários, percebemos que as áreas de sobreposição dificilmente se aproximam do ideal. Vamos demonstrar com um caso prático de rede SFN implementada em Santa Rita do Sapucaí, como mostra a Figura 6. O sistema SFN instalado é composto por 3 estações de 50W, distantes não mais do que 10km, operando no canal 53. Todos recebem o mesmo BTS, alimentados por um link de micro-ondas em 7,5 GHz e MER superior a 35 dB. Todas as estações estão referenciadas a GPS, que provê referência de 10MHz e 1 PPS. Para melhor interpretação dos resultados, os testes foram feitos analisando pares de transmissores (testes dois a dois).
Nos testes de campo 3 pontos referenciais da cidade foram escolhidos. Em cada um dos pontos as condições de recepção de aproximadamente 0 dB, 10 dB e 20 dB foram obtidas com um adequado alinhamento da antena de recepção, ora procurando priorizar a recepção de ambos os pontos de transmissão, ora de apenas um deles. No primeiro ponto de teste, a configuração de atraso dos transmissores foi ajustada para que os sinais recebidos apresentassem aproximadamente 30 μs de diferença. No segundo e terceiro ponto de medida a configuração foi ajustada para aproximadamente 60 μs. No terceiro ponto um último ajuste, em torno de 90 μs, intencionalmente simulando a recepção dos sinais fora do intervalo de guarda de 1/16 (aproximadamente 63 μs no modo 3,8 k). As medidas foram comparadas com relação à margem de limiar de recepção que apresentaram, conforme mostra a Tabela 2.
Nas localizações definidas na tabela, os dados coletados representam os valores mínimos de intensidade de sinal recebido de forma que não se observasse elementos de erro na imagem. O tempo de observação foi em média maior de 1,5 minutos. Os resultados mostram que na condição de recepção menos favorável, dois sinais recebidos com mesma potência (relação de 0dB), o limiar de recepção foi reduzido em no máximo 9 dB. Também foi constatado que com uma relação de proteção de 10 dB, foi possível receber os sinais SFN fora do intervalo de guarda no set top box e, no instrumento de medida, a relação que assegurou uma taxa de erro menor que 2×10-4, após a decodificação Viterbi foi de 15 dB.
Além dos testes de campo, foi analisada também a compatibilidade em operação SFN entre diversos fabricantes. Analisou-se a operação do excitador marca Linear com excitadores marcas Eiden, Toshiba, Rohde & Schwartz e NEC. A Figura 7 mostra, por exemplo, perfeita combinação dos equipamentos NEC e Linear em um teste realizado em bancada no canal 40, constatada com a medida de taxa de erro de bit nula na transmissão de uma mesma sequência de treinamento, PN23, por um período de tempo superior a 8 horas de teste. Resultados semelhantes foram obtidos nos testes com os demais fabricantes. Com este experimento, demonstrou-se ser possível a implantação de uma rede SFN híbrida, ou seja, composta por equipamentos de diferentes fabricantes, sem comprometer a operação
final do sistema.
A compatibilidade entre diversos fabricantes é fundamental para se viabilizar uma rede SFN com distribuição de BTS por satélite, utilizando a tecnologia da compressão de BTS. Em um país com dimensões continentais como o Brasil, o uso deste modelo de distribuição será certamente amplamente utilizado, sendo improvável que um dado cliente utilize transmissores de um único fabricante em toda a sua malha de distribuição. Desta forma, a possibilidade de operação em redes SFN híbridas passa a ser um pré-requisito de grande importância. A Figura 8 mostra este esquema de distribuição via satélite.

No BTS, todo o conteúdo útil de informações é designado como parte das camadas hierárquicas válidas, enquanto os sinais de controle e pacotes de enchimento como parte das camadas hierárquicas inválidas, completando assim a taxa nominal de 32,5 Mbps. A taxa referente as camadas inválidas é utilizada na formação do sinal modulado ISDB-T na inserção de informações como paridade, portadoras de referência, parâmetros de transmissão e intervalo de guarda.
A distribuição do BTS em outras tecnologias, como enlaces de rádio, fibra óptica ou satélite, implica no uso ineficiente da largura de banda uma vez que os dados das camadas inválidas não são discriminados e são transmitidos como informação útil.
O BTS comprimido mantém todas as características do BTS original, se comportando de forma transparente para um receptor doméstico DVB-S/S2. Além disso, a compressão não interfere na compatibilidade com equipamentos de outros fabricantes, uma vez que ele não se torna um TS proprietário após a compressão. Sua grande vantagem é a possibilidade de uma rede SFN de cobertura nacional utilizando a distribuição por satélite, compatível com os modos estático e dinâmico, além de permitir a montagem de redes MFN locais a partir deste mesmo sinal.
Um caso prático deste modelo de rede SFN é o caso da Rede Vida, conforme mostra a Figura 9.

Para confirmar a correta operação desta rede, alguns pontos de medida foram tomados, considerando os pontos mais críticos indicados pelo software de predição de cobertura, conforme mostra a Figura 10. Esta rede está configurada com intervalo de guarda de 1/8, que permite até 126 μs entre os dois sinais.
Continua em próxima edição.

Vanessa Lima, é Gerente Geral de Tecnologia e Desenvolvimento da Hitachi Kokusai Linear e Vice Diretora de Eventos da SET.


Luiz Eduardo V. Machado, é membro do P&SE da Hitachi Kokusai Linear Equipamentos
Eletrônicos S/A, engenheiro formado no Instituto
Nacional de Telecomunicações – INATEL..


Felipe Amaral S. Barcia, é membro do P&SE da Hitachi Kokusai Linear Equipamentos Eletrônicos S/A e estudante de Engenharia da computação no Instituto Nacional de Telecomunicações – INATEL.