Entrevista – Ronald Siqueira Barbosa

QUAL O FUTURO DO RÁDIO DIGITAL NO BRASIL?

Ronald Siqueira Barbosa, 55 anos de idade, diretor de Rádio da SET, nasceu no Rio de Janeiro. Seu amor por rádio vem desde a adolescência e juventude. “Aos 15 anos eu seguia todas as paradas de sucesso, seja no rádio, seja na televisão”, conta. Nessa mesma época fez dois cursos por correspondência de técnico em rádio e televisão. Achava que era uma boa profissão, pois morava perto de um senhor que tinha a casa tomada de rádios e televisores para conserto, onde passava algum tempo observando como se trabalhava e os cuidados necessários.
Posteriormente, quando passou no vestibular, parou com o trabalho para se dedicar todo o tempo à Universidade – formou-se engenheiro pela Universidade de Brasília, em 1977. Já no penúltimo ano de faculdade estagiou no Premesu (Programa de Expansão e Melhoramentos do Ensino Superior), órgão do Ministério da Educação que tratava da aquisição de equipamento de engenharia, vindo de países do leste europeu para os laboratórios das universidades brasileiras. “Eu trabalhava na especificação desses equipamentos, analisando seus manuais”. Isso o credenciou a estagiário na Secretaria de Serviços de Radiodifusão e, depois de formado, à contratação pela Radiobrás. Dois anos depois fez o mestrado no Instituto Militar de Engenharia, no Rio de janeiro, onde obteve o título de MSc.
Barbosa, também assessor técnico da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), é uma autoridade nesse tipo de mídia. E ainda na digitalização do setor, pois fez parte do grupo de trabalho que conduziu os testes do sistema HD. Para falar sobre a digitalização do Rádio no Brasil, cujo processo agora anda mais lentamente do que o esperado – porque o Ministério das Comunicações quer adotar o padrão de Rádio Digital que melhor atenda às necessidades do país e para tanto adiou sua decisão -, ele concedeu a seguinte entrevista:

O setor entregou, via Abert, ao ministro Hélio Costa, um estudo técnico recomendando a adoção do sistema IBOC para AM e FM. Como foram realizados esses estudos?
Quando nos propusemos a realizar os testes do rádio digital estávamos atendendo a uma solicitação do ministro Hélio Costa, que dizia não ter condições de decidir com os resultados dispersos apresentados pelas emissoras. Nós já tínhamos conhecimento dos quatro sistemas existentes, o Eureka 147, o ISDBTsd, o HD Radio e o DRM e apenas em dois deles, HD Radio e o DRM, era possível manter as transmissões analógicas e digitais das emissoras nas mesmas faixas de frequência e nos mesmos canais (IBOC) em que elas operavam. Qual o futuro do rádio digital no Brasil? A proposta de Barbosa continua a mesma: acompanhar o desenvolvimento da tecnologia para AM a fim de que o rádio consiga ser competitivo com outras mídias a partir da qualidade sonora ENTREVISTA Ronald Siqueira Barbosa 13 Restava ter algum deles operando no Brasil para que os testes pudessem ser feitos. Algumas emissoras instalaram o HD Radio e, portanto, somente nelas poderíamos realizar tais medidas.

O ministro, em artigo publicado em jornal mineiro, parece ter vetado este sistema. O fato do IBOC para FM ter sido aprovado, mas não o IBOC para AM, pode ter pesado na decisão dele?
Não tenho esse texto. A partir de uma entrevista do ministro em Belo Horizonte surgiu uma série de interpretações de sua fala, sem que ele mesmo tivesse uma posição final. Eu desconheço qualquer solução digital para o rádio AM e o FM que não seja o IBOC. Qualquer outra necessitará de um novo planejamento: mais espectros serão necessários.

Algumas pessoas, mas poucas associações de classe manifestaram opinião contrária à adoção do IBOC. Será que as opiniões tiveram mais força do que os estudos?
As rádios comunitárias tinham outra preocupação que era não poder ter acesso a tecnologia. Por um lado, pela questão técnica. Por outro, financeira. Quanto às pessoas contrárias a adoção do IBOC, digo que talvez, o nível de investimento não tivesse sido bem avaliado por elas, ou talvez esse investimento não teria tanto apelo para estações de baixa potência, haja vista a faixa estreita de AM. Muitas delas, inclusive, acreditam até hoje que o DRM é grátis, que qualquer um pode ter acesso à sua tecnologia a partir da Internet.

Havia algum “defeito” no relatório?
O relatório foi feito baseado nos testes realizados e que tinha como referência os Guias da Anatel. Foi uma grande experiência para o rádio brasileiro, pois havia mais de 30 (trinta) profissionais do rádio envolvidos nos testes. Todas as suas fases foram exaustivamente discutidas, gerando um relatório bem esclarecedor.

O setor não deveria ter defendido o IBOC com mais ênfase? A Abert e as associações regionais não poderiam ter explicado melhor para seus associados a fim de que houvesse uma pressão maior para que o modelo fosse adotado logo?
Não acredito num caminho melhor que o adotado pela Abert, pois entregamos o relatório e estamos aguardando uma posição do Ministério das Comunicações. O ministro “enterrou” as chances do IBOC vir a ser adotado no Brasil? Isso não é verdade. O IBOC está cada vez mais vivo e com mais chance de participar de uma convergência digital. Na última CES, em janeiro, foram lançados os receptores digitais portáteis.

E agora, José? O Brasil vai, por exemplo, desenvolver uma tecnologia própria? Qual a solução mais viável para o problema?
Desenvolver tecnologia própria demanda recursos, pesquisa e produto comercial acabado. Além disso, ninguém lança uma tecnologia digital para a radiodifusão sem um crivo internacional.

Mas o Brasil vai fazer o quê? Adotar o padrão europeu? O japonês? Na hipótese de adotar outro padrão, isso não atrasará o setor em demasia?
Na Europa existem dois padrões: o Eureka 147, que existe há mais de 20 anos e ainda não decolou, e o DRM, que se propõe a lançar na faixa de FM de forma comercial até o final de 2010. O padrão japonês segue o mesmo caminho do Eureka 147, pois no Japão as emissoras AM e FM continuam analógicas e foram criadas estações no padrão ISDBTsd. Isso parece transformar o rádio em duas categorias: o rádio para ricos e o rádio para pobres. Adotar outro padrão é uma boa afirmativa, embora nunca se diga que outro padrão é esse. Para adotar outro padrão, teríamos de realizar novos testes, o que levaria uns dois anos, por aí.

É possível estimar o tempo que vai levar para se ter uma decisão?
Agora o Ministério tem um relatório em mãos e o setor aguarda uma decisão final.

Com esse atraso, o rádio AM não correrá – desta vez, sim, para valer – um risco de morte, tendo em vista a digitalização de todas as outras mídias e vantagens daí decorrentes?
Sim. A tecnologia atual tem facilitado o surgimento de outras mídias que têm concorrido com o rádio, principalmente na qualidade do sinal. A geração atual já utiliza e conhece o áudio com grande qualidade. O rádio ainda não chegou ao outro lado do rio, na margem digital, pois ainda não definiu que padrão o transportará para esse novo mundo digital. Só falta o rádio para ingressar nesse mundo digital.

O que a Abert vai fazer para termos logo uma decisão?
A Abert está aguardando os próximos movimentos e esperando a decisão do governo. Sempre planejamos subsidiar uma decisão governamental e com a entrega do relatório de testes podemos ressaltar a nossa contribuição.

A SET tem uma posição sobre o assunto?
Eu acredito que a SET, que tem sua diretoria de segmento de mercado Rádio, da qual sou diretor, teve envolvimento ativo e direto nesses testes na busca da melhor solução para os radiodifusores, para o público em geral e todos os engenheiros do setor. Melhor dizendo, para a radiodifusão. Em todos os passos dados sempre se ouviu os profissionais do setor, quer seja os de transmissão, recepção ou o radiodifusor. Até agora tudo nos faz acreditar que, tendo em vista a realidade brasileira, o HD Radio seja o melhor padrão para o rádio digital brasileiro e o melhor meio de se entrar na tecnologia digital.

Pessoalmente, o que o senhor propõe?
Nunca houve impedimento para que qualquer detentor de padrão pudesse realizar algum teste no Brasil. Mesmo assim, nenhum deles, a não ser o HD Radio, teve condições de ser instalado e continuar instalado em algumas emissoras brasileiras. A minha proposta continua a mesma: acompanhar o desenvolvimento da tecnologia para AM a fim de que o rádio consiga ser competitivo com outras mídias a partir da qualidade sonora. Com transmissão na mesma faixa e no mesmo canal, não teremos outro padrão com melhores resultados que o HD Radio. Podemos até testar outro padrão, mas não encontraremos resultados mais significativos. Isso é fato.

Revista da SET – ed.106