Entrevista Raymundo Barros – “O desafio é melhorar sempre a qualidade”

O baiano Raymundo Costa Pinto Barros, 46 anos, tem um quê de cigano: aos 14 anos de idade ele, com a família já morando no Recife, foi, com a cara e a “pouca” coragem, morar numa pensão e estudar na Escola Técnica de Eletrônica de Santa Rita do Sapucaí, Minas Gerais. “No último ano da escola, escolhi a VASP para um estágio no laboratório de aviônica, em São Paulo. Como meus pais moravam no Recife, eu tinha a vantagem das passagens de graça”, conta Raymundo. No fim do estágio, por causa de um problema no alistamento militar, ele voltou para casa, começou a estudar engenharia eletrônica na Universidade Federal de Pernambuco e entrou para a TV Globo Recife como técnico de manutenção. Em 1985, veio a formatura. Quatro anos depois, transferência, como gerente, para a TV Globo Juiz de Fora. Em 1994 ele voltaria ao Recife como diretor regional de engenharia da TV Globo Nordeste. Um ano depois, seria transferido mais uma vez, para São Paulo, onde assumiu diretoria de engenharia e, desde então, as mudanças cessaram. Como diretor da Globo SP, liderou o projeto técnico da implementação da primeira emissora digital a entrar no ar no Brasil.
Raymundo é pós-graduado em administração de empresas e sócio-fundador da SET. “O que me cativou na ocasião foi que a SET era, naquele momento, em 1988, a grande esperança dos profissionais de engenharia de TV das regiões fora do Centro-Sul para ter acesso a conhecimento técnico relevante, já que participação no NAB era inviável economicamente, não existia ainda a internet como ela é hoje e as revistas técnicas importadas chegavam com quatro meses de atraso”. Na gestão passada, Raymundo foi vice-diretor de tecnologia da SET. Atualmente é o diretor e é nessa condição que concedeu a seguinte entrevista:

O senhor afirmou que cabe à sua diretoria “provocar a discussão, orientar e disseminar o conhecimento para os membros da sociedade”. Está prevista a ampliação desse público? A SET vai levar o conhecimento até os cursos de engenharia ou vai ficar mesmo só para o público dela?
Um dos principais subprodutos do processo de implantação do SBTVD foi o envolvimento da comunidade acadêmica. Centenas de pesquisadores, professores e alunos de graduação das escolas de engenharia se interessaram pelo tema TV Digital Terrestre. Eles produziram dezenas de teses de mestrado e doutorado, participaram ativamente da especificação das normas e estão criando uma nova indústria para atender às novas demandas geradas. A SET e o Comitê de Tecnologia devem gerar atratividade para a comunidade acadêmica, abrindo espaço no Congresso e nos eventos regionais para apresentação de temas desenvolvidos por esse grupo e também encomendando à comunidade acadêmica estudos sobre tecnologias relevantes para a nossa indústria.

Quantos painéis o senhor acha viável promover por ano? Quantos temos agora?
No Congresso da SET temos hoje cerca de 40 painéis, com quatro palestras em média por painel. São, portanto, quase 160 palestrantes. Entendo que o nosso Congresso, numericamente, está bastante adequado. O desafio é melhorar sempre a qualidade. Vamos procurar antecipar o fechamento da grade e criar um protocolo para os moderadores a fim de ajudá-los na escolha e orientação dos palestrantes e avaliação do conteúdo.

Que tipo de tecnologia deve ser disseminada mais rapidamente nas áreas de criação, gerenciamento, geração, emissão, transmissão e estúdios?
Os grandes temas da nossa indústria são, resumidamente, a convergência com as plataformas de TI, as múltiplas plataformas, a evolução do HDTV e a ampliação da TV Digital para todo o Brasil. Essa convergência diz respeito, principalmente, aos processos de produção tanto na área de entretenimento como jornalismo e esporte. As novas plataformas serão construídas em torno de padrões da indústria como o MXF, BXF, MOS e outros, utilizando uma arquitetura orientada a serviços e integrada aos processos de negócio de cada organização. É um mundo novo para muitos profissionais da engenharia de TV. Nas múltiplas plataformas, a explosão do vídeo na web e em outras plataformas cria oportunidades para os radiodifusores, mas representa também um risco com novos entrantes, e esse é apenas um dos desafios que teremos de enfrentar. A evolução do HDTV em direção ao padrão 1.080P no médio prazo exige da infra-estrutura construída hoje a capacidade de operar com taxas da ordem de 3 Gbps. No horizonte de tempo um pouco mais longo temos as oportunidades da TV em 3D – já com força total no cinema – e também o padrão Ultra High Definition TV (UHDTV), desenvolvido pela NHK. A ampliação da TV digital em todo o Brasil traz o desafio da consolidação da cadeia de valor, envolvendo fornecedores, integradores, broadcasters e indústria de receptores e o início da exploração das imensas oportunidades da nova audiência em receptores móveis e portáteis e da TV interativa, tanto em casa como no ambiente One Seg.

Quanto tempo o senhor pode dedicar aos assuntos da sua diretoria? Tem como aumentar ou já está no limite? Que critérios usou para formar o Comitê e quantas vezes por mês o senhor se reunirá com o vicediretor e os membros do Comitê?
A atuação na SET é um trabalho voluntário que compete com o tempo dedicado às atividades profissionais e pessoais de cada um dos membros. Assim, o grande desafio é compatibilizar essas demandas e cumprir com a responsabilidade do cargo. Os membros do comitê foram escolhidos por sua notável relevância para a indústria e com representação das emissoras, integradores de sistemas, consultores e fornecedores. O Comitê fará reuniões com calendário alinhado com as demandas da SET.

Quantas vezes por ano o Comitê de Tecnologia se reúne? Quantas o senhor pretende que sejam as reuniões?
Idealmente o Comitê deve se reunir antes de cada reunião de diretoria da SET e intensificar as reuniões nos meses que antecedem o nosso Congresso, sem considerar as reuniões dos grupos de trabalho temáticos, cuja composição não está limitada aos membros do comitê de tecnologia.

Concretamente, como a sua diretoria irá responder às demandas de ordem tecnológica da sociedade?
Na reunião geral da diretoria da SET, realizada no final de outubro, algumas diretrizes foram apresentadas pela presidência e definimos então um conjunto de iniciativas para cada diretoria. Va mos buscar apoio nos associados, nas demais diretorias, na comunidade acadêmica que está engajada em projetos de TV Digital e no expertise dos membros do Comitê.

Como essas demandas serão identificadas?
O Comitê de Tecnologia tem um papel bem definido que podemos resumir nas seguintes frentes: os eventos como o Congresso da SET, o SET e Trinta, o IBC e os eventos regionais. Temos também os grupos de trabalho temáticos, a interação com a academia e com outras entidades similares como o IEEE, o SMPTE, a SBE, entre outras. Todos eles irão nos ajudar a identificar as demandas.

Que papel caberá aos grupos temáticos?
Os grupos temáticos foram criados a fim de estudar e endereçar propostas para assuntos técnicos relevantes para a nossa indústria, seus profissionais e não especificamente para cada empresa. O primeiro grupo temático da SET é o subgrupo de canalização que, mais de 10 anos depois, possui vida própria.

O que estes grupos temáticos estão desenvolvendo? O que esperar de novo por parte deles?
Os temas que estão sendo considerados nesses grupos são: ameaças ao espectro da radiodifusão, melhores práticas da TV digital e serviços auxiliares de radiodifusão. Nas ameaças ao espectro estão compreendidas todas as novas propostas para ocupação dos white spaces, PLC, UWB, etc. Quanto às melhores práticas de TV digital, o grupo já está constituído com representantes das diversas emissoras que, respeitando a norma e o guia operacional da TV digital, discutem detalhes da con- figuração de equipamentos específicos, como encoders, mux, e outros, buscando a harmonização entre os sistemas das diversas emissoras. Por fim, temos os serviços auxiliares de radiodifusão. Em cidades como São Paulo a operação de jornalismo ao vivo na banda de 2,5 Ghz está ameaçada. A proposta é discutir a ocupação atual dessa faixa de freqüência, o modelo operacional das várias emissoras e buscar uma solução que maximize para todos a utilização desse recurso cada vez mais escasso, o espectro eletromagnético.

No último Congresso o senhor moderou um painel sobre jornalismo, com foco na Olimpíada de Pequim. Qual é o saldo da sua participação?
Como o Congresso da SET aconteceu uma semana após a cerimônia de encerramento dos Jogos, tivemos o privilégio de conhecer em primeira mão alguns dos sistemas utilizados por emissoras e pelo centro de broadcast dos Jogos que, até então, não podiam ser divulgados por questões de confidencialidade.

Revista da SET – Edição 103