Entrevista – Nelson Faria

ENTREVISTA

Por Gilmara Gelinski

Formado em engenharia eletrônica com mestrado em filtros digitais pela Faculdade de Engenharia Industrial, o nosso entrevistado desta edição Nelson Faria Junior ingressou como estagiário na TV Globo em 1976, e hoje, como Assessor de Inovação e Tecnologia da Direção Geral de Engenharia, é responsável pelo Projeto de Inovação Aberta i9 (“inove”) da emissora. Sob o olhar desse gabaritado profissional, que também exerce a função de diretor do segmento de mercado de produção da SET, é possível vislumbrar caminhos que o setor da radiodifusão pode seguir a partir das perspectivas positivas que surgem a cada instante com as novas tecnologias. Para ele a radiodifusão tem pela frente grandes desafios, mas tem também grandes oportunidades geradas pela necessidade de produzir conteúdo para as novas plataformas. Para evitar perdas e resgatar seus telespectadores, o atual desafio das emissoras é criar novos atrativos. Nesta entrevista Nelson faz uma análise sobre o futuro da radiodifusão e conta como foi a NAB 2012.

Quais são os grandes desafios para a radiodifusão aberta e para a área de produção de conteúdo, tendo em vista o novo formato de ver, produzir e vender TV?
Os desafios são inúmeros, mas as oportunidades também. A TV por assinatura, com suas centenas de canais, influenciou nos índices de audiência das últimas décadas, e a chegada das TVs conectadas e os equipamentos portáteis acirram ainda mais essa disputa pela atenção dos consumidores. As oportunidades vêm da necessidade de produzir conteúdo para essas novas plataformas e as produtoras de conteúdo, como Rede Globo, têm os melhores recursos artísticos e técnicos para conquistar o público na integração com essas outras mídias.

Para a interatividade, por exemplo, existe al-guma mudança no formato de produção de conteúdo? Que mudanças são essas?
Sim, existe. Será necessária uma produção especí-fica de texto e imagens que complementem o con-teúdo da tela principal, e as emissoras precisarão
somar suas capacidades tecnológicas com seus potenciais criativos para desenvolver um conteúdo adicional de informações que interessem ao públi-co, sincronizado com conteúdo televisivo. Esse tipo de interatividade na televisão funciona e estimula o surgimento de novas formas de pensamento e análise participativa, enriquecendo a experiência televisiva antes, durante ou após um programa de TV.

Quais os países e/ou emissoras que utilizam a interatividade como forma de agregar valor na geração de conteúdo?
Os dois principais países, que vêm experimentando, produzindo e agregando informações ao conteúdo de áudio e vídeo, são Japão e Inglaterra. A Inglaterra foi uma das pioneiras na utilização de aplicações interativas, o famoso BBC Red Button. Através dos anos o Red Button foi sendo utilizado para disparar aplicações interativas que estavam disponíveis para os telespectadores. A primeira a experimentar interatividade na copa do mundo foi a joint venture da BBC/Flextech, a UKTV. Na Copa de 2006 ela lançou um aplicativo de informações em tempo real sobre a Copa nos seus canais na SKY. Em 2010, segundo Andre Terra, da Intacto TV Digital Brasil, um dos principais cases de sucesso foi o Fifa World Cup. As aplicações da Copa de 2010 não foram exclusividade da BBC, alguns serviços de IPTV na Europa, como a T-Home, aproveitaram para lançar aplicações interativas. A ITV Broadcaster foi uma das primeiras a lançar a ideia da segunda tela junto à Copa de 2010. É um aplicativo interativo no site, sincronizado com a programação e jogos da copa na TV. Outro case de sucesso está na agregação de informação do sistema de alerta emergencial desenvolvido pela NHK, que transmite não só aplicação interativa, mas também vídeos e informações sobre o que está acontecendo, por exemplo, em caso de terremotos

Como o Ginga se comporta neste cenário?
O Ginga é capaz de executar e entregar para o telespectador todos os tipos de interatividade: criação e edição de aplicações interativas em tempo real; sincronização e execução em múltiplos dispositivos; adaptação de conteúdo de acordo com características do STB (Set-Top Box) ou do usuário: idioma, horário, localização, idade, sexo, etc.. É considerado, por muitos países, como a melhor plataforma para desenvolvimento e execução de aplicações interativas. É o middleware que tem as melhores funcionalidades, dentre as quais podemos destacar: único padrão de middleware mundial aberto e livre de royalties. Dado sua superioridade dentro os demais middlewares, o Japão iniciou em 2010 um processo dentro do ITU para tornar o Ginga recomendação para plataforma de IPTV.

Existem diferenças na produção de conteúdo para TV aberta e para TV por assinatura? Quais são elas?
No modelo de produção de conteúdo da televisão brasileira, a exibição é feita pelas emissoras cabeças de rede, que entregam o mesmo conteúdo de programação e de interatividade para a TV aberta e por assinatura. Para as TVs conectadas com a banda larga, no entanto, a interatividade pode ser mais rica do que com o Ginga. Para explorar este potencial as emissoras devem criar um conteúdo específico, o que pode significar integrar e filtrar a produção feita para os sites das emissoras, para que não haja um custo adicional na produção deste conteúdo. No momento, nenhuma TV fechada tem implementação do Ginga rodando em seus STBs. Mas todas as TVs por assinatura têm um middleware para execução de aplicações interativas. Dentre os principais middlewares para TV fechada no Brasil temos: OpenTV, utilizado na NET; Ericsson + Mirada, utilizado na GVT; MediaHighway que faz parte do grupo NDS na SKY (América Latina). Esses três middlewares são proprietários, ou seja, cada um tem uma linguagem para desenvolvimento de aplicações interativas e são fechados. A principal desvantagem das TVs por assinatura no Brasil é não utilizar o Ginga. Apesar dessas operadoras de TV também terem as TVs abertas em seus pacotes, as aplicações interativas transmitidas por essas emissoras abertas não serão executadas nos STBs. Consequentemente, os telespectadores não terão a oportunidade de vivenciar essas aplicações, levando a uma experiência diferente do conteúdo produzido por essas emissoras.

Para atender a esse novo padrão de televisão aberta, com alta definição, os radiodifusores terão que substituir seus equipamentos e sua arquitetura?
A TV aberta digital está no seu início. Somente 433 cidades brasileiras têm o sinal digital, apesar de representar 47% da população. Há muito trabalho e investimento a fazer ainda. A boa notícia é que os equipamentos HD estão cada vez mais baratos, como vimos na NAB. No entanto, no caso da interatividade bidirecional, na qual não somente é possível receber informações exclusivas, mas também enviar dados para a emissora. Será necessário investir em sistema e equipes que possam fazer a administração e gestão destes dados.

Quais os tipos de equipamentos e/ou de tecnologia de maior impacto? Como manter a qualidade de imagem?
Na produção de dramaturgia, especialmente, há vários processos que passaram a fazer parte da televisão, que antes eram utilizados somente em cinema, como equipamentos corretores de cor e de masterização de áudio. Com isso, há uma maior contribuição artística na finalização, elevando a sua qualidade. Mas a origem da grande melhoria da imagem está diretamente relacionada às câmeras de alto desempenho e a nova geração de câmeras digitais de 35 mm. Principalmente, devido ao grande range dinâmico e ao controle de profundidade de campo que resultam em imagens com qualidade cinematográfica.

Com o advento transmídia, como fica a produção de conteúdo tradicional da TV aberta?
Uma narrativa transmídia é aquela que se distribui por distintas mídias, sendo que a TV continua sendo a âncora principal para as famílias acompanharem seus programas favoritos. E para quem deseja ter uma experiência mais intensa daquele tipo de conteúdo, poder ampliar os pontos de interação nas outras plataformas, com games, enquetes, revistas em quadrinhos e até produtos comercializados pela marca do programa. As emissoras precisam inovar para capturar o olhar dos consumidores para seus produtos e marcas, e criar novas formas de contar essas histórias que possam ser desdobradas em diferentes mídias, desde a internet, e assim, se aproximar mais de seus fãs fortalecendo suas marcas.

O senhor esteve no NAB Show 2012 . Na sua opinião, qual foi o grande destaque em tecnologia, que pode ser aplicada de imediato
nas empresas de broadcasting?
Todo visitante tem como expectativa na NAB encontrar uma mostra memorável. É o evento que realmente conecta o presente e o futuro da mídia e do entretenimento digitais. Seja qual for sua atividade na cadeia produtiva de broadcasting, o NAB Show dá uma ideia do horizonte da televisão amanhã. Um dos caminhos apontados desta evolução tecnológica é o mercado para equipamentos de cinema digital. Ele continua a crescer. Os fabricantes de câmeras estão correndo para desenvolver sensores maiores e melhores com mais stops de range dinâmicos, mais acessórios, mais controle da profundidade de campo e mais recursos para se atingir a qualidade de film look. O grande hit deste ano foi o movimento além do HD, com o 4k. A partir do lançamento da RED em 2008, houve uma grande evolução e este ano a câmera 4k atingiu o preço das câmeras “prosumers”. Isto é uma grande conquista na democratização do uso desse padrão de qualidade. A tecnologia de vídeo irá oferecer latitudes que os fotógrafos somente conseguiam obter com o registro em película. Os lançamentos das câmeras da Bolex, RED, Canon, Sony, Blackmagic mostraram que este é o caminho. E quem ganha com isso? Nós, os consumidores. Enquanto esta competição cresce, o preço de câmeras de alta qualidade gravando em raw data cai ao nível de US$ 3 mil como o da câmera da Blackmagic. E estamos somente no início desta nova onda. Enquanto os mundos da fotografia e do filme continuam a se fundir, a corrida por este mercado está provocando o avanço na tecnologia de câmeras mais rápido do que em qualquer momento da história.

De olho no futuro, quais as tecnologias em desenvolvimento?
Com a melhora na conexão de banda larga, principalmente, nos países desenvolvidos, e com a quantidade de dados que o workflow em raw data vai exigir, o cloud computing irá permitir um modelo seguro de armazenar e processar os conteúdos audiovisuais a um custo menor e mais eficiente do que o modelo atual e permitir um uso mais eficiente dos processos de pós produção no futuro próximo. Este ano a NAB apresentou algumas soluções em empresas como a Avid e Quantel que indicam que este é um caminho sem volta.

Quanto às apresentações do congresso NAB 2012, o que mais chamou sua atenção?
As conferências refletiram o universo da tecnologia de broadcasting que se expande em quase um número ilimitado de direções simultaneamente se adequando às necessidades de todos desde produtores de esporte de ação com orçamentos menores, usando a GoPro, àqueles procurando o desenvolvimento de tecnologia para instalações de milhões de dólares. A que mais despertou o interesse foi a Disruptive Media Conference, discutindo soluções para as emissoras que estão procurando maneiras de vencer os desafios e capitalizar as oportunidades apresentadas pelo Video Over the Top, televisão móvel, multitelas e mídias sociais. Tivemos a oportunidade de refletir essas tecnologias emergentes e disruptivas e qual o impacto nos modelos de negócio para a distribuição de conteúdo.

Foi possível detectar na NAB 2012 como está o setor da radiodifusão pelo mundo?
Uma das tendências mais importantes que afetam a radiodifusão ao redor do mundo é o desejo crescente dos telespectadores consumirem o conteúdo de televisão on demand, em uma ampla variedade de dispositivos e plataformas. Apesar dos tradicionais canais lineares, que distribuem o conteúdo em horários determinados, o desafio da entrega on demand é a conversão diária desses conteúdos de modo que possam ser consumido como catch up TV, em dias diferentes da exibição original. Outra discussão importante foi da competição pelo uso do espectro entre emissoras e as empresas de telecomunicações.

O que o senhor achou dos temas abordados no evento SET e Trinta promovido todo ano pela SET, durante a NAB? Qual tema o senhor destacaria do evento brasileiro?
O resultado foi muito positivo, sucesso de participação e qualidade das palestras, percebido em conversas com os participantes. A SET cumpriu o objetivo de oferecer aos seus associados serviços tecnológicos e de apoio durante a NAB. O SET e Trinta é o grande ponto de encontro da delegação brasileira. Diversos conteúdos foram importantes. Destaco o fórum de tecnologia “Além do HDTV: Qual a próxima atração?” e a palestra “Tecnologia ótica para acervo digital”.

Nos próximos anos, 2013, 2014 e 2016, acontecerão vários eventos esportivos no Brasil . Como diretor de produção de conteúdo da SET, qual o seu recado?
O mais importante será o legado que estes eventos poderão deixar para o Brasil, tanto na formação de profissionais qualificados, quanto na oportunidade de inovação tecnológica. Um dos projetos mais importantes do Ministério do Esporte é o Programa 14 Bis. Ele faz parte dos trabalhos do Comitê Gestor da Copa 2014 com o objetivo de identificar, planejar e promover projetos inovadores para esses grandes eventos esportivos.

Gilmara é editora da Revista da SET . E-mail: [email protected]