Entrevista – Liliana Nakonechnyj

ENTREVISTA
TV DIGITAL EM PROCESSO DE CONSOLIDAÇÃO

Liliana Nakonechnyj, vice-presidente da SET, coordenadora do Grupo SET de Estudos de Canalização Digital e membro permanente do Módulo de Promoção do Fórum Brasileiro de TV Digital, traça um panorama da TV digital pós-lançamento, apontando as dificuldades e os desafios que os radiodifusores ainda enfrentarão durante o processo de implantação do sistema no Brasil. Liliana fala ainda do compromisso da SET de orientar os profissionais do setor, através de eventos que priorizam a busca e o desenvolvimento de soluções.

Para você que participou junto com a SET de todo o processo de definição da implantação da TV digital no Brasil, quais foram as etapas mais críticas?
A SET formou seu primeiro grupo de estudos sobre TV digital ainda no final de 1994. Ou seja, foi mais de uma década de estudos, buscando as soluções técnicas mais adequadas para a televisão brasileira. O primeiro aspecto crítico a ser identificado foi o enorme número de canais analógicos de televisão que precisariam receber pares digitais para possibilitar a transição analógico-digital. Para tanto, a SET trabalhou junto com a ABERT no desenvolvimento de ferramentas e métodos que contribuíram sobremaneira com o trabalho da Anatel de planejamento da canalização digital. Quando os testes de laboratório e práticos realizados em 2000 explicitaram a superioridade da modulação japonesa no atendimento aos requisitos brasileiros, não imaginávamos a dificuldade que teríamos em adotá-la. Por vários anos, nem as indústrias de origem japonesa mostravam qualquer interesse em defendê-la, enquanto os lobbies americano e europeu agiam firmes, junto aos diversos setores envolvidos. Nas etapas finais da escolha do sistema, foram vários os sobressaltos, mas a razão venceu e, com a contribuição da academia, a ação firme do ministro Hélio Costa e da ministra Dilma Rousseff, a solução adotada permite que as emissoras ofereçam o melhor serviço à população brasileira.

Agora que o sistema já foi definido, que tipo de dificuldades os radiodifusores ainda enfrentam?
Na verdade, a definição do sistema foi só o pontapé inicial para um trabalho intenso, de muitos anos e que exigirá investimentos pesados, por parte das emissoras. Para a implantação das primeiras transmissões, as equipes técnicas trabalham com os fabricantes de equipamentos no sentido de garantir sua conformidade com as normas brasileiras, enquanto finalizam as instalações das áreas de exibição e estúdios em alta definição e ajudam a treinar os demais setores das empresas para operá-los. Há uma série de novos desafios, como a alimentação e distribuição de dados associados aos programas e do som multicanal. As áreas de criação e produção estudam novas linguagens narrativas, por conta dos recursos de interatividade que, em breve, estarão disponíveis e da alta definição, que também tem impacto sobre cenários e maquiagem. Mas o maior volume de trabalho e de recursos financeiros ficará por conta da implantação dos milhares de novos transmissores e antenas que serão necessários para levar a televisão digital a toda população brasileira. Trata-se de replicar todo o trabalho de interiorização de televisão que foi feito, ao longo de três décadas, pelas emissoras de TV, agora no formato digital.

Você tem acompanhado como está a aceitação da tecnologia digital pela população?
Os depoimentos dos primeiros telespectadores da TV digital em alta definição são apaixonados. O encantamento pela portabilidade é, também, patente – não há quem não deseje imediatamente possuir um minitelevisor, quando vê em funcionamento uma das poucas unidades que foram disponibilizadas no mercado. Há que reconhecer, entretanto, que estamos numa fase muito preliminar na implantação da TV digital no Brasil. A opção por um sistema avançado, com ferramentas que permitem que a população brasileira continue desfrutando, por muitos anos, do que há de melhor em termos de televisão, de forma livre e gratuita, impõe alguns desafios a esse começo: escassez de produtos, preços altos e produtos ainda em evolução. Como qualquer nova tecnologia, os primeiros aparelhos, no caso os conversores digitais, são lançados por preços mais altos e ainda não atingiram seu máximo desempenho e funcionalidades. A interatividade para a recepção fixa, por exemplo, ainda está em fase final de padronização, o que significa que se passarão vários meses até que a interatividade já venha ativada nos receptores à venda ou possa ser adicionada aos receptores já vendidos. Ainda não há disponibilidade nas lojas de dispositivos portáteis, como minitelevisores ou telefones celulares com sintonizadores de TV digital, cujo lançamento é esperado para breve. Além disso, há mensagens contraditórias sendo passadas ao mercado – por exemplo, campanhas de operadoras de televisão paga, que confundem as pessoas relativamente à TV digital. Por conta desses fatores e do entusiasmo inicial da população no lançamento da TV digital no início de dezembro, quando se esgotaram rapidamente os conversores e televisores digitais das lojas paulistas, seguiu-se um período de retração de demanda. Mas estão em andamento algumas ações envolvendo emissoras, indústrias e governo que atenuarão esses problemas iniciais, e promoverão o crescimento continuado da parcela da população com acesso aos benefícios gratuitos da TV digital.

Por que não se vê mais campanhas de divulgação do sistema digital na mídia? Não seria ainda necessário investir em campanhas de emissoras e fabricantes para amadurecer a idéia do sistema digital na cabeça do telespectador?
As emissoras capitanearam a campanha de lançamento da TV digital – aquela estrelada pela família Nascimento, com a adesão posterior da indústria de receptores. A retomada de uma campanha está sendo discutida agora. Certamente é importante e necessário esse investimento.

De acordo com o andamento do processo de implantação de TV digital no Brasil e a aceitação do público, você acredita que o período de transição de dez anos é suficiente para o nosso país?
Ainda é cedo para avaliar a velocidade da implantação da TV digital no Brasil. Por um lado, o país é muito grande e o trabalho para a interiorização, hercúleo. Mas, com a ajuda da indústria nacional de transmissores, tenho certeza que serão encontradas soluções técnicas mais simples e baratas e a rapidez dependerá muito da demanda, por parte da população. Será também imprescindível a parceria do Ministério das Comunicações, que precisará imprimir agilidade aos processos formais de aprovação de novas instalações de transmissão.

Você acredita que todas as emissoras têm potencial para transmitir sua programação completa em HD?
Acredito que, em longo prazo, HDTV será o formato normal de transmissão de entretenimento audiovisual, seja de filmes, dramaturgia, esportes e, por último, até dos noticiários destinados ao grande público. Essa tendência pode ser observada no mundo inteiro, e é corroborada pela queda contínua nos preços dos equipamentos para produção em alta definição. Acredito também que sempre haverá espaço para a exibição de conteúdos em definições inferiores, por exemplo, destinada às telas pequeninas de dispositivos portáteis, à troca entre pessoas, à participação de indivíduos em programas de televisão, ou a canais informativos ou educativos.

As normas estabelecidas pelo Fórum Brasileiro de TV Digital servirão de modelo para outros países?
As normas brasileiras foram escritas num formato internacional e fazem parte do sistema internacional ISDB-T. Há vários países, em especial os da América Latina, que ainda não tomaram uma decisão quanto ao sistema de TV digital que adotarão. E a solução brasileira é a melhor para todos os países nos quais a televisão aberta, livre e gratuita, tem importância para a população. Os representantes dos sistemas ATSC-T, DVB-T e, mais recentemente, do ISDB-T japonês têm trabalhado de forma estruturada, visitando esses países frequentemente, advogando sua adoção. Já a atuação brasileira, nesse sentido, tem sido muito pequena. Logo depois do estabelecimento do sistema no Brasil, o governo brasileiro capitaneou um roadshow, com a participação do Fórum SBTVD. Mas, na ocasião, havia ainda muitas indefinições quanto ao nosso sistema e inúmeras perguntas, tais como a previsão de curvas de preços de receptores, que ficaram sem respostas. Foi identificada, também, a necessidade do oferecimento de um pacote de condições de transferência de tecnologia e de ajuda à implantação. Desde então, nosso governo mantém contatos com os governos desses países, mas a atuação brasileira, como um todo, tem sido esporádica e baseada em iniciativas individuais. As demandas de trabalho e de recursos para a implantação da TV digital no Brasil têm sido muito grandes, de forma que, até hoje, não foi dada prioridade à atuação internacional. Se não conseguirmos uma solução de curto prazo para agir de forma estruturada, com presença constante nesses países, considero mínima a chance de adoção de nosso sistema.

Qual o grande approach da TV digital – HD, mobilidade, interatividade, ou portabilidade?
As várias aplicações se complementam. O HDTV já é uma realidade mundial, amplamente disseminada em alguns países. Em outros, como os europeus, começa agora, com a segunda geração da tecnologia de TV digital e, no Brasil, já está contemplado desde o início da virada. A alta definição permite ao telespectador desfrutar de uma experiência muito mais envolvente e agradável de ver televisão em sua casa, reclinado no sofá, saboreando os detalhes das imagens, sua profundidade, sentindo-se imerso na ação ou dentro do campo de futebol. É imprescindível dentro da tendência de telas grandes e com a redução de preços do LCD e do plasma e acentuada pelo surgimento de novas tecnologias como a do OLED. No mundo todo, agora a onda é a portabilidade, e nos países onde a tecnologia escolhida para a TV digital não a inclui, discutem-se as alternativas tecnológicas para oferecê-la. Aqui no Brasil, ela será livre e gratuita, na televisão aberta. Junto com a mobilidade, será um dos grandes charmes da TV digital, proporcionando informação e entretenimento à população em qualquer tempo e lugar e propiciando fidelização do telespectador à mídia e novos horários de pico. Nas cidades grandes, como São Paulo, a mobilidade ajudará a população a aproveitar o tempo que desperdiçam no trânsito. A interatividade ainda é uma promessa, pois, após sua padronização completa, terão que ser desenvolvidos os aplicativos e criadas novas fórmulas de programas. O GINGA oferecerá ferramentas poderosas para as áreas de criação e, como no Brasil não falta talento nessa área, tenho certeza que virá a ser um sucesso comercial de público e uma ajuda enorme na programação educativa.

Os eventos da SET para este ano focarão que aspectos da TV digital?
A SET tem como objetivos o aperfeiçoamento dos profissionais e o desenvolvimento e difusão das tecnologias de engenharia de televisão no Brasil. Como a implantação da TV digital é o maior desafio que se apresenta no momento, é obrigação da SET proporcionar aos profissionais a maior quantidade possível de informações sobre o tema, bem como provocar discussões e trabalhos que levem ao desenvolvimento das soluções pendentes. Entre outras iniciativas, há que divulgar as normas técnicas recentemente desenvolvidas; há que compartilhar os problemas encontrados nas primeiras experiências de implantação e discutir soluções para a interiorização dos sinais.

Quais as inovações que a SET levará para o SET e Trinta na NAB?
O SET e Trinta virou um ponto de encontro quase que unânime das centenas de brasileiros que vão a NAB, com todas as vantagens e desvantagens que isso representa. Por mais que nos esforcemos, não conseguimos encontrar, até o momento, solução para garantir um fluxo constante de comida, de forma que todos os participantes consigam tomar café. Continuamos também buscando solução para que as conversas, naturais, não atrapalhem os participantes que desejam ouvir as palestras em andamento. Agora, para tornar mais interessante o conteúdo programático, o grupo de trabalho, liderado pelo vice-presidente de Tecnologia da SET, Olímpio Franco, está analisando experimentar uma nova fórmula para as apresentações, misturando as dos fornecedores, que são os patrocinadores do evento, com palestras/discussões que aproveitem os especialistas estrangeiros reunidos na feira.

Como você avalia o crescimento do Congresso da SET nos últimos anos? Qual a fórmula do sucesso?
O Congresso da SET tem se tornado mais amplo a cada edição. As sessões técnicas, voltadas a profissionais de nível técnico e operacional da área de engenharia de televisão, continuam como carro-chefe do evento. A elas, foram adicionadas outras sessões enfocando questões mais estratégicas e políticas, voltadas a executivos da área. No outro extremo, o da especialização e aprofundamento, foram agregadas apresentações de publicações científicas, que atraem professores e alunos de universidades e centros de pesquisa. Outro público que tem crescido é o de profissionais da área de rádio, em função do processo de digitalização dessa mídia. Na verdade, o encontro de todos esses setores é extremamente benéfico, pois produz um ambiente em que tecnologia pura se mistura a tecnologia aplicada e a uma visão de negócios. Tem havido, também, um aumento significativo na exposição de equipamentos, com excelente sinergia entre congresso e feira.

Como estão os trabalhos do Grupo SET de Canalização Digital?
A partir da decisão sobre o sistema, em 2006, o Grupo SET de Canalização Digital retomou o trabalho de suporte a Anatel, de forma a atualizar o Plano Básico de Canais Digitais, trabalho que havia sido realizado até 2003. Atualmente, já foram revisadas todas as capitais do Brasil, e estão sendo estudadas as cidades mais importantes do Estado de São Paulo. Esse trabalho é um exemplo feliz da união de concorrentes em prol de objetivos em comum, já que cada um precisa, por vezes, abdicar de uma situação mais cômoda para assegurar o melhor funcionamento do conjunto. Na área de Campinas, por exemplo, as emissoras concordaram em modificar dezenas de canais analógicos em retransmissoras de baixa potência, ao perceber que só assim conseguiriam livrar a TV digital de interferências indesejáveis. Por último, mas não menos importante, um trabalho que congrega iniciativa privada e agência governamental, com o objetivo comum de melhor servir à população brasileira.