Compatibilidade Analógica e Desempenho Digital

Autor: Ronald Siqueira Barbosa – Diretor de Rádio da SET

Compatibilidade Analógica e Desempenho Digital
Nesta terceira etapa da discussão – para facilitar o entendimento do Relatório de testes – a questão da compatibilidade dos sinais digitais com os sinais analógicos existentes, considerada aqui como ‘compatibilidade analógica’, merece tratamento especial, pois envolve a análise do impacto do sistema de transmissão HD Radio IBOC vis-à-vis a transmissão analógica simultânea.

Também a possibilidade de interferência em canais 1º e 2º adjacentes existentes, que constam do Plano Básico de Distribuição de Canais em AM e do Plano Básico de Distribuição de Canais em FM, ambos aprovados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), precisa ser avaliada na compatibilidade analógica.

Os casos que compreendem a possibilidade de interferência de sinais analógicos sobre os sinais digitais também precisam ser investigados.

Outro ponto importante é o desempenho digital do sistema HD Radio e, nesse caso, a robustez do sinal, principalmente em locais de forte incidência de ruído impulsivo, deve ser observada.

A avaliação da robustez do sistema de transmissão HD Radio (padrão IBOC) para AM e FM é feita basicamente pela qualidade do áudio digital ou, objetivamente, pela medida da BLER (Block Error Rate), que dá então o seu desempenho dentro da área de cobertura da estação, suprindo com sinal de qualidade em região de forte interferência.

Assim, a robustez como principal componente do desempenho digital pode ser verificada em situações em que o próprio sinal analógico está debilitado ou em que esse sinal é bem recebido.

No caso da compatibilidade analógica, é possível obter a separação mínima exigida entre duas estações a partir dos Regulamentos Técnicos Para Emissoras do Serviço de Radiodifusão Sonora. Conseqüentemente, necessário se faz o estabelecimento de critérios para determinar as estações relevantes a serem levadas em conta na análise da compatibilidade analógica, tanto em FM quanto em AM.

A Anatel definiu esses critérios baseada em seus regulamentos técnicos para transmissão analógica a partir da violação da relação de proteção no cálculo teórico de viabilidade técnica, realizado pelo método ponto-área. Assim, numa transmissão híbrida, a componente digital do sinal dessa transmissão sendo co-canal a um sinal analógico de outra estação, deverá atender a relação de proteção analógica co-canal correspondente.

Se a relação de proteção for inferior ao valor estabelecido para aquela separação de freqüência, a situação passa a ser relevante na análise de compatibilidade.

No caso de estações analógicas operando em co-canal com as de transmissão híbrida – em função dos níveis de potência digital dentro da faixa do canal e das relações de proteção adotadas entre canais analógicos -, não há qualquer expectativa de ocorrência desse tipo de interferência e, por isso, a Anatel considerou dispensável tal avaliação (ver relatório de testes da Anatel).

Os resultados dos cálculos realizados pela Anatel não apontaram qualquer estação relevante operando em canal 2º adjacente, mesmo co-localizada, e por isso não foram planejados testes de estações operando em canal 2º adjacente (ver relatório de testes).

A máscara de emissão do sinal digital e do sinal analógico FM conforme a NRSC-5a é (veja figura ):
Pela tabela das distâncias mínimas do Regulamento de FM e pela máscara de emissão a partir da NRSC-5a foi possível estabelecer as estações que poderiam criar condições de interferência de canais 1º e 2º adjacentes consideradas as mais prejudiciais.

Teoricamente, como informado anteriormente, uma interferência causada por transmissão em canal 1º adjacente digital seria uma interferência co-canal a um canal analógico considerado inicialmente adjacente.

Isso aumentaria necessariamente a distância exigida entre as duas estações. O contorno interferente co-canal de duas estações classe E3, e A1, por exemplo, Rádio Energia 97 FM Ltda. na cidade de São Paulo em 97,7 MHz (E3), e Rádio Cidade de Campinas Ltda. na cidade de Itu 97,5 MHz (A1) seria bastante modificado.

A distância exigida seria muito maior quando na realidade a distância entre canais adjacentes de classes diferentes – como E3 e A1 pelo Regulamento Técnico – seria de aproximadamente 88 km, o que incluiria esse caso numa possível análise de interferência.

A máscara de emissão do sinal digital e do sinal analógico AM é: (veja figura)

Da mesma forma, a distância mínima exigida entre duas estações Classe B com canal 1º adjacente inferior – como foi o caso de Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda., em 840 kHz e da estação Fundação Cultural de Radiodifusão Arthur de Souza Valle da cidade de Nova Odessa, em 830 kHz – seria bastante alterada e, segundo a própria Anatel, a estação de Nova Odessa estaria totalmente inclusa na área de cobertura da Rádio e Televisão Bandeirantes.

Esses são dois casos citados apenas como exemplo e que foram avaliados nos testes realizados pela ABERT. No estudo tinham sido considerados pela Agência.

No total foram oito casos de análise de compatibilidade e, em nenhum caso, a interferência do sinal digital sobre os canais constantes do Plano Básico foi detectada. É importante frisar este fato, pois não houve problemas de interferência em nenhum dos casos apresentados.

Maiores detalhes dos critérios de avaliação dessa ‘compatibilidade analógica’ poderão ser encontrados no Relatório de Testes Realizados em Estações AM e FM da ABERT, em parceria com a Universidade Mackenzie.

No caso do desempenho digital do sistema HD Radio (padrão IBOC) foram testadas duas estações em São Paulo, uma de OM (Fundação Padre Anchieta – Centro Paulista de Rádio e TV Educativas) e uma de FM – Sompur São Paulo Radiodifusão Ltda..

Também foram testadas duas estações fora da Grande São Paulo: uma de OM na cidade de Belo Horizonte e outra de FM na cidade de Ribeirão Preto.

A cidade de São Paulo apresenta algumas peculiaridades que a tornam singular para o comportamento de sinal na recepção. Por ser uma cidade com grande densidade populacional, a maior do País e uma das maiores do mundo, existe uma enorme quantidade de edifícios, ruas, túneis, além dos níveis de ruídos impulsivos feito pelo homem, basicamente incontroláveis, que prejudicam enormemente a recepção de qualquer sinal analógico de radiofreqüência.

Isso se reflete na recepção do sinal OM e FM, o primeiro pela faixa estreita de transmissão e a baixa freqüência, o segundo pela topografia da região.

A cidade de Belo Horizonte, embora tenha uma topografia também diferenciada dos demais lugares do país, não apresenta o mesmo nível de ruído e interferência que a cidade de São Paulo. A cidade de Ribeirão Preto tem uma quantidade de edifícios infinitamente menor e a topografia apresenta-se praticamente plana em toda a sua extensão.

No período noturno, a Onda Média (OM) apresenta propagação por onda espacial além da propagação por onda de superfície e, portanto, é importante uma investigação desse sinal.

Em virtude das estações de OM escolhidas serem de classe B, foi necessário realizar um teste com a transmissão da Rádio Gaucha S⁄A (estação de Classe A) para avaliar o comportamento do seu sinal na cidade de Ribeirão Preto e Belo Horizonte.

Ainda com relação à faixa de OM, observou- se que não estaria contemplada a avaliação de cobertura de estações de baixa potência. Não havendo nenhuma emissora de Onda Média de baixa potência que tivesse implementado o padrão IBOC, seria necessário, além da autorização da Anatel, um parque de instalação em cidade de pequeno porte, fora do eixo São Paulo – Ribeirão Preto – Belo Horizonte, onde somente se viabilizariam testes para transmissão no modo ‘tododigital’ e em canal da extensão da faixa de OM, de 1605 a 1705 kHz (Texto extraído do Relatório de Testes da ABERT).

Com as estações de FM selecionadas, também se observou que não estaria contemplada a avaliação da cobertura de estações de Classe C e que nenhuma emissora dessa classe estava autorizada a executar o Serviço Especial para Fins Científicos e Experimentais para realização de testes com o padrão IBOC. Decidiu-se, então, instalar uma estação de teste de Classe C, em Cordeirópolis – cidade próxima a São Paulo, posteriormente autorizada para testes. Seria, assim, criada a possibilidade de efetuar algumas verificações de cobertura e compatibilidade com a utilização de baixas potências, inclusive compatíveis com as utilizadas no Serviço de Radiodifusão Comunitária – RadCom. (Texto extraído do Relatório de Testes da ABERT)

Esses pontos salientados são muito importantes na avaliação do desempenho digital dos sinais das estações escolhidas e dos testes de campo que foram feitos para cumprir essa avaliação. Tais pontos constam dos Procedimentos para os Testes de Campo tanto em OM quanto em FM, elaborados pelo Laboratório de Rádio e Televisão Digital da Universidade Presbiteriana Mackenzie a partir dos Guias da Anatel.

Foram realizados testes em pontos fixos e testes em mobilidade para que, juntos, pudessem dar melhores informações sobre o desempenho do sistema. Veremos alguns exemplos.

Nas duas primeiras figuras ao lado, um exemplo dos pontos fixos selecionados pela Universidade Mackenzie.

Os pontos fixos receberam posteriormente gradação de cor informando a situação de recepção do sinal digital e do sinal analógico medidos.

Na figura ao lado e a primeida da próxima página, o ponto 19 teve o seu espectro instantâneo indicando os níveis do sinal digital e do sinal analógico.

Acima, a cobertura noturna da Rádio Gaúcha S⁄A – Porto Alegre. Pela figura, o sinal noturno teórico da estação de Porto Alegre alcança as cidades de Ribeirão Preto e Belo Horizonte. A Anatel fez algumas medições na cidade de Belo Horizonte e não detectou nenhum sinal da Rádio Gaúcha nos limites da cidade.

O que se pode depreender dessas poucas observações do sinal da Rádio Gaúcha é que, nos pontos medidos, a cobertura analógica noturna não confirmou a previsão teórica de alcance do sinal da onda espacial. Em conseqüência, os níveis do sinal digital, em torno de 6% do analógico, não tiveram como ser detectados (vide Relatório).

O resultado não é inesperado, uma vez que se sabe que a freqüência da Rádio Gaúcha S/A, de 600 kHz, está na faixa das freqüências giromagnéticas no Brasil, sujeitas a alta absorção na ionosfera (Absorção Ionosférica Noturna na Faixa de Radiodifusão de Ondas Hectométricas – Tese de Mestrado de Antonio Carlos de Assis Brasil; 1969), diminuindo muito o alcance do sinal das estações que operam nessas freqüências.

Para o caso da FM também foram realizados testes em pontos fixos e testes em mobilidade para que, juntos, pudessem dar melhores informações sobre o desempenho do sistema.

Abaixo, um exemplo dos pontos fixos selecionados pela Universidade Mackenzie.

O espectro instantâneo das estações de FM e os pontos específicos são mostrados ao lado.

Os resultados em mobilidade obtidos estão resumidos abaixo.

Os dados em mobilidade apresentam coloração azul para o sinal digital recebido e coloração vermelha para ausência de sinal de digital.

Em algumas rotas onde o sinal digital não é recebido, há uma superposição de cores na figura correspondente e uma análise mais detalhada da região de interesse deve ser realizada. O Relatório de Testes Realizados com o padrão IBOC para estações em OM e FM da ABERT apresenta todas as informações com riqueza de detalhes.

 

Ronald Siqueira Barbosa
Diretor de Rádio da SET
Revista da SET – ed. 106