Skam: novos modos de criação e engajamento

Artigo

por Vinícius Guida , Gabriela Borges e Daiana Sigiliano

Como o sucesso de uma trama da TV pública norueguesa nos ajuda a repensar os modelos tradicionais de produção e distribuição de conteúdos audiovisuais

SKAM é uma série norueguesa produzida entre 2015 e 2017, pela empresa pública NRK, para distribuição no seu canal online NRK P3 e, também, na emissora juvenil tradicional da rede. Ao longo de suas quatro temporadas o programa explora os percalços enfrentados pelos adolescentes nesta fase da vida. Com abordagens muito diferentes das séries estadunidenses como, por exemplo, The OC (2003- 2007, Warner) e Gossip Girl (2007-2012, CW), a trama escandinava busca representar, através da proximidade e da identificação, os jovens do mundo todo.

Como iremos discutir mais adiante, SKAM foi norteada pelos novos modos de distribuição e engajamento do ambiente da convergência midiática. A partir da hibridização e da imbricação de diferentes plataformas e linguagens, que compõe o universo ficcional, a atração atravessou fronteiras geográficas e etárias. Nesse sentido, as ações dos telespectadores interagentes eram demandas pela própria estrutura narrativa e, dialogicamente, teriam efeito na produção subsequente.

Neste sentido, de modo geral, SKAM foi norteada por duas questões centrais: o modo de desenvolvimento, que abrange desde a criação dos roteiros até as temáticas abordadas nos arcos narrativos, e as ações de distribuição e engajamento adotadas pela NRK que dialogam com os hábitos culturais dos jovens.

A construção e a representação

Os personagens trocam mensagens em tempo real no site da emissora

A pesquisa que deu origem a SKAM foi baseada em um método denominado modelo NABC, utilizado pela rede desde o início dos anos 2000, no qual são feitas profundas entrevistas com o público a fim de compreender suas vontades (o público-alvo eram adolescentes de 16 anos, recém-chegados ao ensino médio). Tendo como fio condutor os percalços vividos por adolescentes nessa nova fase de constantes mudanças e descobertas, cada temporada da série é protagonizada por um personagem diferente.
Para trazer verossimilhança à trama, o casting procurou atores e atrizes inexperientes — e da mesma faixa etária dos telespectadores em potencial — servindo como consultores e guias das necessidades dessa parcela da sociedade norueguesa. Além disso, o formato de produção permitia que a equipe pudesse localizar nas ações de engajamento, principalmente na aba de comentários do site oficial, as demandas que, por fim, influenciaram no desdobramento da narrativa. Dessa forma, o enredo estava em construção e os fãs eram parte fundamental desse processo.
Tendo como pano de fundo o colegial, o programa busca a dialogar diretamente com o público por meio das especificidades de cada personagem, apostando na interação e em novas maneiras de falar sobre velhos temas. Os arcos narrativos exploram enquadramentos surpreendentes de questões como, por exemplo, o bullying (e o contemporâneo ciberbullying), os transtornos de ansiedade e mentais, as sexualidades, os assédios, o estupro e as complexidades das relações humanas.

Além de trocar mensagens,
os personagens de Skam mantinham perfis
nas redes sociais

O poder do engajamento
SKAM adotou um modelo de distribuição híbrido no qual os episódios eram disponibilizados on-line e também na televisão. Usando um conceito de publicação em “tempo real”, as cenas eram liberadas no site no momento que ocorriam, em forma de pílulas, e no final da semana todas essas micro narrativas seriam unidas em um único episódio.
A trama também explorava arcos narrativos externos, criando um grande universo transmidiático. As mensagens trocadas pelos personagens eram postadas em tempo real, permitindo uma imersão dos telespectadores. As ações propiciavam ao público vivenciar a mesma angústia da espera (de uma resposta) dos personagens, ao atualizar o site o tempo todo ou esperar a notícia da publicação nas comunidades de fãs. O canal norueguês também criou contas no Instagram para os principais personagens de SKAM, os perfis poderiam ser acompanhados seguindo a mesma lógica de imersão e narrativa paralela.
O modo de construção do universo narrativo de SKAM se deve tanto aos hábitos de consumo e culturais do público alvo quanto aos preceitos da NRK de que o enredo não poderia se limitar à simples sedução dos adolescentes, mas ser um meio de informação e suporte aos problemas diariamente enfrentados por eles. Nesse contexto, o desenvolvimento seguindo essa lógica abre possibilidades de criação maiores do que no modelo comercial.
A forma de desenvolvimento e engajamento de SKAM promove um modo de acompanhamento sem precedentes: não-linear e, também, sem indicativos de quando novas informações estariam no ar, o que gerou a necessidade de engajamento em “tempo real”, tal como a distribuição. Muitas vezes ignorada pelas grandes redes comerciais, essa face da cultura de fãs pode ser explorada e tornar-se peça chave no tabuleiro da série Escandinávia. Nessa perspectiva, SKAM está à frente da grande parcela de narrativas ficcionais seriadas produzidas atualmente. Não somente no complexo tratamento dado às temáticas abordadas quanto aos múltiplos arcos narrativos que convergem durante a série e na alteração das perspectivas, mas também pela forma de interação direta com o conteúdo transmidiático, além da possibilidade de interferir, ainda que indiretamente, no desdobramento da produção.

Expansão transnacional

SKAM foi transformada em fenômeno mundial pelas ações de engajamento seguindo a mesma lógica de propagação utilizada na publicidade das primeiras temporadas. Em contrapartida das narrativas transnacionais tradicionais, a série não ganhou espaço através do mainstream ou da mídia convencional, mas pelo contato entre fãs de diversos países.
Apesar de ser em norueguês e não apresentar legendas, o conteúdo não era bloqueado geograficamente, ou seja, o acesso era livre em qualquer lugar do mundo. Isso permitiu que as comunidades de fãs começassem a disponibilizar traduções e não somente dos episódios, mas também do conteúdo transmídia como, por exemplo, as mensagens em inglês, nos comentários do site oficial.
Diante do sucesso internacional, os produtores passaram a enfrentar problemáticas em relação aos direitos autorais da trilha sonora e precisaram bloquear os episódios da série apenas para IP’s noruegueses. Ainda assim, os fãs disponibilizaram links pelo Google Drive com legendas em diversos idiomas, produzidas em todos os cantos do mundo.
O engajamento foi responsável não somente pela divulgação e popularização interna, mas também por sua visibilidade internacional. A série agora ganhará versões produzidas nos Estados Unidos, Itália, Holanda, Alemanha, Espanha, e França. A versão americana será produzida por Simon Fuller (criador do American Idol) e terá Julie Andem (produtora original da série) no comando. A versão italiana já está sendo produzida e as estratégias de marketing já se iniciariam: Eva e Martino (o Isak da versão) já tem suas contas no Instagram.
No Brasil, a página no Facebook Portal- SKAM Brasil conta com 125 mil seguidores e detém, também, um grupo na rede com 70 mil pessoas além de um perfil no Twitter com 27 mil seguidores. No grupo, eram postadas as traduções das mensagens dos personagens em português. A página agora tem postado informações relativas à versão já em produção. Vale ressaltar que parte desse conteúdo é minerado, e selecionado pelos fãs que fazem parte desse grupo fechado. Em 2017, Isak e Even ganharam um concurso no portal estadunidense E! News, concorrendo com personagens de diversas franquias solidificadas nesse mercado.
SKAM é um exemplo de narrativa experimental, transmidiática e seu sucesso é representativo nos ajuda a repensar os modelos tradicionais de produção e distribuição de conteúdos audiovisuais.

Vinícius Guida Vinícius Guida
Vinícius Guida é pesquisador do Observatório da Qualidade no Audiovisual (UFJF). Contato: [email protected]
Daiana Sigiliano Daiana Sigiliano
Daiana Sigiliano é mestre em comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora e pesquisadora do Observatório da Qualidade no Audiovisual (UFJF). Contato: [email protected]
Gabriela Borges Gabriela Borges
Gabriela Borges é professora e co- ordenadora do Programa de Pós- Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora, coordenadora do Observatório da Qualidade no Audiovisual (UFJF). Contato: [email protected]