SET A ZERO

A queda das barreiras de entrada para os negócios audiovisuais

Na convergência digital, a engenharia promoveu a derrubada de sete barreiras que impediam novos players de produção e transmissão de conteúdo, com o desenvolvimento de multiplaformas e o VOD, abrindo caminho para startups do audiovisual com modelos de negócios inovadores e disruptivos

por José Carlos Aronchi

As oportunidades para empresas e empreendedores de produtos e serviços audiovisuais desenvolverem novos negócios e ampliarem sua atuação estão diretamente ligadas às facilidades tecnológicas criadas pela convergência digital. As etapas de captação, armazenamento, transmissão e recepção de sinais de vídeos formaram barreiras instransponíveis no antigo sistema analógico que foram derrubadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) digitais. A transmissão por IP – Internet Protocol, de vídeo digital, e em sinal aberto pela televisão digital, a recepção por computadores, smart tvs, tablets e celulares trouxeram outras experiências de consumo de conteúdo, antes barradas pelo sinal analógico.
Os maiores centros de tecnologia do mundo investiram no desenvolvimento da engenharia e conseguiram a validação do mercado para as inovações. Essa validação se deu através de entidades internacionais, que adequaram e aprovaram a tecnologia para implantação em várias partes do mundo.
No Brasil, a SET foi a entidade técnica autônoma responsável por pesquisar, escolher, desenvolver, testar, validar e indicar ao governo brasileiro o padrão de transmissão de televisão digital terrestre, o ISDB-tb, uma adequação do sistema japonês, que deu origem ao SBTVD-t (Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre). Além do papel preponderante no contexto tecnológico, a SET está também atenta aos desdobramentos dos novos negócios trazidos pelas inovações em transmissão de conteúdo pelas multiplaformas digitais.
A engenharia faz o seu papel, porém, nesse momento de grande procura por conteúdo é necessário identificar e apontar as barreiras que persistem, visando para mostrar o novo mercado e o caminho para o desenvolvimento de negócios inovadores nos setores da indústria, comércio e serviços de imagem e som. Com a identificação das barreiras que impediam a entrada da concorrência, umas derrubadas, outras em processo de queda, abrem-se oportunidades não somente para os que atuam na produção de conteúdo autoral, utilizando as formas tradicionais de produção e transmissão de vídeos, mas principalmente para empresários e profissionais de toda a cadeia de negócios do audiovisual:

  • Potenciais empreendedores e empresários de micro e pequenas empresas da cadeia de negócios do segmento audiovisual.
  • Empresários dos segmentos de publicidade, turismo, alimentação, transportes e outros que podem ser fornecedores de apoio aos negócios gerados pelo audiovisual.
  • Profissionais de produtoras de conteúdo, agências de publicidade e marketing digital, rádio, TV, internet, cinema, games e fotografia que pretendem abrir empresas ou formalizar a atuação como microempreendedor individual.

Os setores econômicos e os negócios do audiovisual 

Em primeiro lugar, a cadeia de negócios do segmento audiovisual na Economia Criativa não se resume na produção e exibição do conteúdo. Outros segmentos se agregam neste sistema de produção, trazidos pelo conceito de inovação, com os negócios disruptivos que agregam valor às iniciativas do segmento audiovisual. A plataforma de vídeos Netflix é o mais recente sucesso nesse avanço contra as barreiras de entrada de novos concorrentes para exibição de conteúdo.
Esses negócios apresentam estratégias colaborativas para a inovação no audiovisual, na maioria, cases de startups de sucesso em algum segmento tecnológico. Startups são empresas nascentes com forte potencial de mercado e alta incerteza de sucesso (RIES, 2012). Esse sucesso conta com o financiamento público e privado para produtos e serviços que embarcam tecnologia de ponta.

A economia digital e os sete rounds para a derrubada das barreiras no audiovisual

As TICs – Tecnologias da Informação e Comunicações, foram o rolo compressor para todos os stakeholders desse sistema que não conheciam nem sonhavam com a queda das principais barreiras que garantiam o sucesso financeiro dos serviços de produção, transmissão e recepção de áudio e vídeo. Os estudos de Michael Porter (1991) apontam que a intensidade concorrencial de um setor depende de cinco forças básicas:

  1. O número de concorrentes e a sua rivalidade em determinado momento;
  2. A entrada de novos concorrentes;
  3. O poder de negociação dos clientes;
  4. O poder de negociação dos fornecedores;
  5. O aparecimento de produtos substitutos.

A esses conceitos econômicos de Porter que identificam cinco razões que impedem a entrada da concorrência em qualquer segmento produtivo, podemos afirmar que no segmento de transmissão de conteúdo audiovisual essas razões são idênticas aos princípios que mantiveram a economia da comunicação eletrônica no mundo inteiro, até a chegada das TICs digitais desenvolvidas pela engenharia.
A tradução dos cinco conceitos genéricos do impedimento para entrada de novos concorrentes no mundo dos negócios tradicionais, apontadas por Porter, também podem ser identificadas nos negócios do audiovisual da antiga era analógica da transmissão de vídeo.

1. O número de concorrentes e a sua rivalidade em determinado momento
As grandes redes de televisão disputaram o mercado entre poucas concorrentes por décadas, com alta rivalidade pela conquista da audiência e dos patrocinadores.

2. A entrada de novos concorrentes
A concessão pública e a limitação da área de transmissão foram empecilhos para entrada de novas empresas de comunicação e ampliação do mercado.

3. O poder de negociação dos clientes
Os patrocinadores sempre procuram as maiores audiências, que recaem sobre os grupos de comunicação com maior poder econômico e de produção. As grandes redes ditavam as regras para o investimento publicitário em sua programação de maior sucesso. O bolo publicitário, na era analógica, é fatiado desigualmente devido a falta de atrações em emissoras de baixo índice de audiência.

4. O poder de negociação dos fornecedores
Os fabricantes de equipamentos detêm a tecnologia de ponta que as emissoras precisam para as produções e exibição do conteúdo, com qualidade técnica. O custo dessa tecnologia sempre foi alto para o mercado broadcast, devido limitação de fabricantes, como as pioneiras RCA e AMPEX, e as que ainda dominam, Sony, Hitachi, Panasonic, Grass Valley, entre outras marcas dos Estados Unidos, Europa e Japão, exportadores de tecnologia audiovisual.

5. O aparecimento de produtos substitutos
Até a chegada do computador, não existia outra tela para competir com imagens da televisão. Isso garantiu a porta de entrada e de exibição por décadas para um único aparelho receptor, o monitor de televisão.

Após essa analogia do mundo dos negócios tradicionais nos quais o mercado audiovisual está envolvido, temos um quadro completamente diferente daquele que impedia a entrada dos produtores de conteúdo. No mundo dos negócios do vídeo analógico, mandavam os grandes. Na era digital, os pequenos apontam os novos caminhos para negócios inovadores, em multiplaformas audiovisuais para exibição e consumo de conteúdo, facilitando o caminho entre a transmissão broadcasting e a broadband.
Na era digital, os negócios tradicionais continuam tentando impor barreiras cada vez mais ultrapassadas. As cinco barreiras mais endurecidas da era analógica ainda persistem e podem ser identificadas pelo mercado audiovisual como empecilhos para a aceleração dos negócios inovadores.

Barreiras de entrada da concorrência nos negócios do audiovisual: Sete barreiras e oportunidades

Além dessas cinco barreiras expostas no gráfico acima, baseadas nas teorias econômicas de Porter, já impostas aos negócios dos diversos setores e segmentos, e adaptadas ao setor produtivo de conteúdo audiovisual, podemos adicionar sete barreiras específicas aos negócios do audiovisual que já foram derrubadas pelos meios digitais:

1. A concessão pública para transmissão de sinais de imagem e som;
2. O equipamento transmissor;
3. O equipamento receptor;
4. A infraestrutura de produção em alta definição (HD);
5. A transmissão ao vivo;
6. A métrica – análise de audiência;
7. A limitação da área de transmissão.

Sete barreiras de entrada para concorrência nos negócios audiovisuais derrubados pela engenharia

A quebra das barreiras de entrada nos negócios audiovisuais

1. Concessão pública para transmissão de sinais de imagem e som
No mundo inteiro, o ar é do governo. O único caminho para a transmissão de imagens e som por ondas eletromagnéticas era, na era analógica, através de concessão pública, concedida por prazo e condições determinadas pelo Estado, após análise criteriosa do solicitante. O poder econômico e político sempre foram os fatores decisivos para uma empresa ingressar no negócio. Os negócios tradicionais – liderados pelas emissoras de televisão abertas – ainda são obrigadas a seguir este modelo e persistem na defesa desse território ainda incubado na era analógica. A primeira barreira derrubada pelo sinal digital, com o desenvolvimento das telecomunicações e internet, trouxe outras opções de transmissão de conteúdo, abrindo caminhos para novos players de transmissão de conteúdo multiplataforma e VOD – Vídeo on Demand.

2. O equipamento de transmissão controlado pelo Estado
Os transmissores, antenas e toda a tecnologia dos negócios audiovisuais tradicionais ainda são homologados pelo governo, pela ANATEL, que impõem limites não mais respeitados pelas tecnologias digitais para transmissão de conteúdo. Barreira extinta pelos provedores de acesso à internet, redes dados, fibra ótica e portais digitais.

3. O equipamento receptor 
A televisão sempre reinou como o aparelho capaz de receber e exibir imagens e som do emissor, que detinha todo o processo produtivo. Agora, o monitor de televisão serve às multiplaformas com conteúdo em vários gêneros e formatos audiovisuais. Barreira derrubada e compartilhada.

4. A infraestrutura de produção em alta definição (HD)
As grandes produtoras de conteúdo tem a capacidade de produção montada em grandes parques tecnológicos para atingir a produção industrial com uma qualidade de imagem e som próprias da tecnologia de alto custo. Com a digitalização do sinal de vídeo, a tecnologia embarcou a qualidade HD (Alta Definição) em aparelhos de baixo custo. Em qualidade de imagem, grandes redes concorrem com os amadores nas mesmas condições de consumo do conteúdo audiovisual, quando consumidos em devices mobile. Barreira ultrapassada e com custo reduzido.

5. A transmissão ao vivo
Os negócios audiovisuais da era analógica não previam a possibilidade de perder essa vantagem competitiva, vencida pelo desenvolvimento da engenharia da computação, que acelerou a velocidade das redes de telecomunicações, e colocou na mão do usuário o poder de transmitir ao vivo seu próprio conteúdo, iniciando a era dos lives. Barreira intransponível, derrubada pelas redes sociais digitais.

6. A métrica – análise de audiência 
O controle do fluxo da audiência esteve por décadas atrelado às pesquisas de um único índice, do IBOPE. Impossível poder questionar ou criar outro método aceito pelos patrocinadores e agências de publicidade que desse confiabilidade e segurança a todo o sistema de estudos de mídia. A convergência digital trouxe os likes, as curtidas, o compartilhamento, os comentários que exibem, com muito mais clareza e confiabilidade, a experiência do usuário do que os métodos estatísticos questionados pela falta de transparência. Barreira derrubada por outras métricas de consumo e experiência do usuário.

7. A limitação da área de transmissão
As concessões públicas para transmissão de sinais que determinam uma área para atuação dos negócios da radiodifusão permanecem irradiando conflitos de interesses políticos e econômicos. Enquanto isso, na era digital, uma transmissão de conteúdo por multiplataformas não tem limites de exibição e consumo. A terra é o limite. Barreira derrubada sem limites.

Sete barreiras derrubadas e a SET multiplataforma

Onde há problema há oportunidade de solução e nesse mercado estão as startups do audiovisual. Essas sete barreiras de entrada para novos concorrentes nos negócios do audiovisual, são apontadas como oportunidades para novas empresas de transmissão de conteúdo digital em multiplaformas. Trazem desafios e exigem estratégias colaborativas para a inovação nas emissoras de RTV, estimulando as inovações no ensino e pesquisa.
Nesse sentido, a SET trabalha em conjunto com outras entidades para ampliar o conceito de inovação, os negócios disruptivos e os modelos de empresas inovadoras do segmento audiovisual na Economia Criativa, através das multiplataformas de exibição de conteúdo digital e interativo.
SET desponta como um incentivador de novos negócios ao identificar a importância dos cases de startups do segmento de áudio e vídeo como futuro promissor das inovações em produção e transmissão de conteúdo para multiplataformas. São essas startups que vão incentivar no mercado nacional o financiamento para produtos e serviços audiovisuais, abrindo horizontes e visando a exibição do conteúdo brasileiro por multiplataforma e com o VOD no mercado internacional, no qual o Brasil já é reconhecido pela capacidade técnica e criativa.

Referências
CHAVES, Reinaldo. Mudança para sinal digital de TV cria oportunidades de negócios. Folha de S.Paulo. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/09/1683489-mudanca-para- sinal-mais-moderno-de-tv-cria-oportunidades-de-negocios.shtml
OSTERWALDER, A.; PIGNEUR, Y. Business Model Generation – inovação em modelos de negócios: um manual para visionários, inovadores e revolucionários. Alta Books, 2011.
PORTER, Michael E. Estratégia Competitiva: Técnicas para Análise de Indústrias e da Concorrência. Campus, 1991. RIES, Eric. A startup enxuta: como os empreendedores atuais utilizam a inovação contínua para criar empresas extremamente bem-sucedidas. Eric Ries. Lua de Papel, 2012.

José Carlos Aronchi é doutor em Ciências da Comunicação ECA/USP. Consultor de Inovação e Tecnologia na Cultura Empreendedora-Escola de Negócios Sebrae-SP. Diretor de Eventos da SET e mentor de Startups do audiovisual. Contato: [email protected]