Criatividade e inovação

Nº 145 – Set/Out 2014

Por Icaro de Abreu

Das poucas certezas que temos, é de que a publicidade de amanhã certamente não será a de hoje. Não há dúvidas de que o mercado busca se aperfeiçoar, mas infelizmente o faz num ritmo inferior a outros setores.

Antes de mais nada precisamos deixar claro uma coisa: a criatividade está para a subjetividade assim como a inovação está para a objetividade.
No geral, a criatividade está nos olhos de quem vê, já a inovação, não necessariamente. Fazendo um paralelo com a lógica, que é estudada por duas ciências distintas: a matemática e a filosofia, podemos perceber que enquanto uma se prova perfeitamente dentro de um universo matemático, é impossível alçar novos caminhos sem recorrer a vertente filosófica. O mesmo acontece na contramão pois, sem a estrutura da primeira a segunda jamais se construiria. É quase paradoxal. Apesar de serem complementares em sua essência, são distintas.
Isso se dá entre os dois tópicos deste texto. Criatividade, por definição, é algo complexo. Há quem defenda ser a memória RAM da evolução biológica, Dostoivesky dizia que a necessidade de criar nem sempre coincide com as possibilidades de criação. Já Antônio Damásio diz que criar consiste não em fazer combinações inúteis, mas em efetuar aquelas que são úteis.
Uma coisa é fato. Criar tem a ver com escolher, pois sem a escolha ela nunca saíra da sua cabeça.
Inovação por sua vez está mais ligada à ideia de aperfeiçoamento, em ganhar eficiência, melhorar algo. É um conceito amplamente trabalhado e sem sombra de dúvidas orientada para resultados mais práticos e sensíveis ao senso comum. Inovar não é inventar. Saber disso nos afasta da angústia de ter que criar algo original e pioneiro dentro de nossos estudos e nossas profissões. Como diria Lavoisier: “Tudo se transforma. Nada se cria”, ou seja, tudo de alguma forma sempre será referencial.
Ser o primeiro não é necessariamente uma vantagem, a não ser que você esteja correndo os cem metros rasos.
Tiro para cima, explosão e acabou. Temos aí Benjamin Franklin, Google, Facebook e um milhão de outros exemplos que foram frutos do aperfeiçoamento, principalmente por ter concorrentes lado a lado. O mercado está mais para uma maratona e isso só faz sentido quando seu intuito é dizer que pensou primeiro e isso não funciona para o mercado em geral. Só funciona na publicidade.

Criatividade e inovação na publicidade
O papel da agência sempre estará ligado à criatividade e inovação, mas com o compromisso claro de dar resultados para seus clientes e para si mesma. Por isso, seu modelo de negócios é direcionado para trabalhar com as mídias estabelecidas. Afinal, os valores para utilização destes espaços são bem altos e por conta de uma lei, os veículos são obrigados a repassar vinte porcento deste valor, pagos pelo anunciante para a agência.
Embora haja muita gente bem intencionada e fazendo bastante coisa para mudar, existe um grande espaço inexplorado. Tudo ainda é um grande concurso cultural e quando de fato há algo fora da caixa, à mensagem que querem passar para o público está mais para: – Olha só como o mundo seria melhor se esta marca fizesse isso.
Não é legal? Tomara que a empresa para qual demos essa ideia também acredite nisso. Digo isso, pois ser inovador é caro e para uma agência ser reconhecida como criativa e inovadora precisa de apenas um prêmio pela sua capacidade de dizer que pensou primeiro, não é por resultados e nem pela sua realização.
Como disse Bill Murray, nossos celulares têm dois milhões de vezes mais capacidade que o computador da Apolo 11 e enquanto este levou o homem à lua, nós arremessamos passarinhos em casas de porcos. É mais ou menos assim que funciona. Lá dentro existem pessoas brilhantes, com ideias mirabolantes, com capacidade de mudar o mundo, mas onde o maior desafio do seu dia é escrever slogans de sabão em pó.
O público quer participar, mas os criativos não sabem ainda o que é possível. Em geral, a publicidade se auto referencia e a base para um anúncio de amanhã, é o anúncio que foi feito ontem. As ideias começam surgir a partir de mecanismos de busca do próprio mercado publicitário, depois boards do Pinterest onde seus alimentadores são designers e publicitários e quando isso não dá certo, daí sim começa-se a paleontologia digital e a escavação de fósseis de livros oldschool.
Ter uma ideia boa requer tempo para pesquisa, requer tempo para se atualizar, para aprender tudo àquilo que não tem a ver com slogan de sabão em pó. A criação é sempre referenciada e não precisa estar a par do que está sendo feito o tempo todo.
Isso é angustiante demais e útil de menos, utilidade que de fato nunca são premiadas nestes festivais ao redor do mundo.
Grandes empresas possuem departamentos especializados no desenvolvimento de produtos, onde estudam a viabilidade, prototipam, escalam a produção e elaboram a melhor forma de transformar estes produtos em algo viável. Estas ideias tem se tornado novos modelos de negócio e isso ao invés de se tornar uma grande oportunidade para as empresas, por fim se transformam em um grande problema, resumindo, são problemas e não soluções que são apresentadas.
Das poucas certezas que temos, é de que a publicidade de amanhã certamente não será a de hoje. Não há dúvidas de que o mercado busca se aperfeiçoar, mas infelizmente o faz num ritmo inferior a outros setores. O futuro da criatividade da publicidade não está no modelo de agências que conhecemos hoje, principalmente no Brasil.

Transmidia e as janelas de imersão
Outra coisa importante de deixar claro é o conceito de transmídia. Henry Jenkins diz que se trata de uma narrativa que percorre diversas mídias. Visto pela perspectiva dos publicitários, isso não passa de uma campanha integrada, 360º, onde o mesmo discurso é comunicado de forma igual em todos os meios.
Porém, o ponto central de diferenciação é o fato de que em cada meio a história é contada de uma forma diferente e que se possível, seja interativa, na qual o público possa de alguma forma participar.
Na publicidade, ainda é muito comum ouvir gente dizendo se uma ideia é “online”ou “offline”. Eu entendo como sendo “on” aquilo que é transmídia / interativo e aquilo que é “off” como sendo mídia / não interativo. Mas qual é mais criativa? De verdade, não existe melhor, são diferentes e devem de exploradas de acordo com as necessidades e possibilidades do produto em questão. Sinceramente, como afirmar que Laranja Mecânica do Kubrick é melhor que o filme Labirinto, dos estudantes da UNESP? O que é inovador, muitas vezes não é necessariamente melhor. Esta história me lembra do famoso caso de que quando apareceu a fotografia, grande parte das pessoas anunciaram o fim da pintura. Com o aparecimento do cinema, o mesmo aconteceu com a fotografia. Hoje vemos o mesmo em relação às estratégias transmidiáticas e a indústria gráfica. Ninguém vai parar de imprimir nem de fazer conteúdos que não sejam interativos. O que fica claro é a reacomodação dos setores. Esta visão apocalíptica sobre a extinção serve apenas como publicidade.
Quando pensamos em transmídia, o ponto está muito mais ligado ao como fazer do que necessariamente o que fazer. O roteiro colaborativo, com participação da audiência é algo bem antigo. Me desculpem os religiosos, mas na minha opinião, o exemplo mais bem criativo, inovador e bem sucedido disso é a Bíblia. O livro dos livros é sem dúvida um dos melhores exemplos para falar sobre engajamento. Ele é construído a partir de ótimas histórias que de alguma forma se conectam com o inconsciente da gente. E nenhuma ideia funciona sem uma boa história, sem um grande mito. É aí que as pessoas se reconhecem, onde faz sentido. Inovar é melhorar, aperfeiçoar, superar e quando superação é o tema, nenhum mito explica isso melhor que Daniel San. Estamos falando do mito do herói, aquele que desde a Grécia, tem um lugarzinho de destaque no imaginário coletivo. É aí que a história da inovação se desdobra. Um caminho que remete ao mar de espinhos antes das rosas e onde faz sentido sofrer, passar por um mar de pizzas, chefes assírios e ônibus lotados para se chegar ao objetivo.

O próximo capítulo de criatividade e inovação
A última revolução é a dos costumes, sinalizou George Orwell em sua obra. A audiência já entendeu que pode ser ouvida, engajamento é uma palavra mais utilizada na contemporaneidade do que amor e roteiristas ao redor do mundo já começaram a rabiscar de alguma forma narrativas que permitam este tipo estruturação. O que de melhor existe em relação a narrativas interativas são sem dúvidas os jogos de vídeo game. Só neles você tem uma experiência completa de interatividade, onde de fato influencia o protagonista, ao ponto do personagem ser você. Roteiristas de games são o que há de melhor no quesito interatividade.
Agências especulam sobre o futuro e contratam parceiros para materializar o que precisam contar, portanto, se o interesse for inovação e criatividade, o mercado de start-ups é sem dúvida o mais fértil. Cresce a cada dia e estão pensando coisas úteis e trabalhando para fazer acontecer. Agências vão fazer um filme sobre como seria bom se isso existisse apenas. Se você tiver uma ideia boa que seja realmente útil, estruture-a e busque na internet por investidor anjo.
Me parece fazer sentido que em um futuro próximo, agências se tornarem empresas que ajudam na construção de modelos de negócios, uma empresa de consultores em inovação, criatividade, sociologia e claro, comunicação. Elas definiriam as melhores mídias, os fundos de capital anjo e que estes por sua vez financiariam a operação tendo na compra desta empresa. É só dizer que elas terão vinte por cento da start-up que me parece possível acontecer.
Projetos criativos e inovadores são como um filho. Se não houver dedicação ele morre; você não pode desistir. Apesar de uma ideia ser reconhecida pela criatividade, ela só vai realmente dar certo por causa da teimosia. Uma grande ideia, ao contrário do que todos pensam, tem tudo para não dar certo e lembre-se de Scott-Heron quando decidir buscar informações sobre estas mudanças: “a revolução não será televisionada”.

Colaboração: Rodrigo Arnaut e Daiana Sigiliano

Icaro de Abreu: Há mais de quinze anos atuando no mercado publicitário, é sócio da Lorem, empresa de cultural content.